terça-feira, 9 de janeiro de 2018

A HORA E A VEZ DA AGRICULTURA FAMILIAR

Segundo o último Censo Agropecuário feito no Brasil, de 2006, 84,4% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros pertencem a grupos familiares

POR CHICO JUNIOR
08/01/2018 0:00

O Brasil é um grande produtor de alimentos, um dos maiores do mundo. Somos o terceiro maior produtor mundial de produtos agropecuários, atrás da China e dos Estados Unidos. Somos o maior produtor mundial de café, de cana de açúcar, de suco de laranja, o segundo maior de soja, o segundo em mandioca. E por aí vai.

E o Brasil é, também, grande exportador de alimentos. Por conta dessa grande produção, o café, a soja, o suco de laranja, o açúcar são importantes commodities agrícolas. O agronegócio é responsável por sete dos 10 principais produtos exportados pelo Brasil em 2017.

Mas agora segue uma informação que talvez lhe surpreenda: quando você se senta à mesa para tomar o seu café da manhã, para almoçar, para jantar, você está, basicamente, sendo alimentado pela agricultura familiar, pelo pequeno produtor brasileiro. Isso porque os grandes conglomerados agrícolas destinam grande parte da produção à exportação, deixando para o pequeno produtor a tarefa de alimentar considerável parcela da população brasileira. Segundo o último Censo Agropecuário feito no Brasil, de 2006, 84,4% do total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros pertencem a grupos familiares. São aproximadamente 4,4 milhões de estabelecimentos, metade deles na Região Nordeste. Segundo dados da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), ex- Ministério do Desenvolvimento Agrário, mais da metade da cesta básica do brasileiro é composta por produtos da agricultura familiar. Estima-se que a agricultura familiar é responsável por colocar em sua mesa 70% de todo o alimento que você consome cotidianamente. Para citar alguns exemplos, ela é responsável pela produção de 87% da mandioca, 70% do feijão 59% da carne suína, 58% do leite e 50% da carne de aves.

No Estado do Rio de Janeiro, a ação da agricultura familiar é marcante. Em 2006 eram mais de 44 mil estabelecimentos, representando 75% do total das propriedades rurais, responsáveis por 58% dos postos de trabalho no campo e pela produção da maior parte da produção agrícola do estado: 75% da mandioca, 68% do feijão, 67% do milho em grão, 55% do arroz e 52% do café.

Além de tudo o que se disse aí em cima, por que a agricultura familiar deve ser cada vez mais fomentada e valorizada? Primeiro porque tem dinâmica e características distintas em comparação à agricultura não familiar: a gestão da propriedade é compartilhada pela família, e a atividade produtiva é a principal fonte geradora de renda. Além disso, o agricultor familiar tem uma relação especial com a terra, seu local de trabalho e moradia. Por isso, presume-se, tem mais respeito e carinho pela terra, base do seu sustento. A diversidade produtiva também é uma característica do setor.

Ela é a base econômica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes (ressalte-se que a maioria dos municípios tem menos de 20 mil habitantes), responde por 35% do PIB e absorve 40% da população economicamente ativa do país. Tem, portanto, importância econômica vinculada ao abastecimento do mercado interno e ao controle da inflação dos alimentos.

Ela é, em suma, a base da produção sustentável de alimentos.

O Brasil não é diferente do resto do mundo. Em todos os cantos do planeta, a agricultura familiar é base da alimentação. A importância que se dá ao assunto é tanta que, no último dia 20 de dezembro, a 72ª Assembleia Geral da ONU proclamou a Década para a Agricultura Familiar 2019-2028, com o objetivo principal de promover melhores políticas públicas de agricultura e propor uma oportunidade única para contribuir com a erradicação da fome e da pobreza. O documento da Resolução da Década da Agricultura Familiar foi proposto no início de outubro por um grupo de 14 países, liderados pela Costa Rica, copatrocinado por 104 nações e aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral. A partir de agora, um plano de ação será apresentado à FAO, o órgão da ONU para alimentação e agricultura, e aos governos.

A nós, modestamente, cabe seguir as diretrizes da ONU para que o espaço da agricultura familiar no Brasil seja cada vez maior.


domingo, 7 de janeiro de 2018

SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR. HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica Vaticana
Sábado, 6 de janeiro de 2018


O nosso percurso ao encontro do Senhor, que hoje Se manifesta como luz e salvação para todos os povos, é elucidado por três gestos dos Magos. Estes veem a estrelapõem-se a caminho oferecem presentes.

Ver a estrela. É o ponto de partida. Mas, poder-nos-íamos perguntar: Por que foi que só os Magos viram a estrela? Porque talvez poucos levantaram o olhar para o céu. De facto na vida, muitas vezes, contentamo-nos com olhar para a terra: basta a saúde, algum dinheiro e um pouco de divertimento. E pergunto-me: Sabemos nós ainda levantar os olhos para o céu? Sabemos sonhar, anelar por Deus, esperar a sua novidade, ou deixamo-nos levar pela vida como um ramo seco pelo vento? Os Magos não se contentaram com deixar correr, flutuando. Intuíram que, para viver de verdade, é preciso uma meta alta e, por isso, é preciso manter alto o olhar.

E poder-nos-íamos perguntar ainda: Porque é que muitos outros, dentre aqueles que levantavam o olhar para o céu, não seguiram aquela estrela, «a sua estrela» (Mt 2, 2)? Talvez porque não era uma estrela deslumbrante, que brilhasse mais do que as outras. Era uma estrela que os Magos viram – diz o Evangelho – «despontar» (cf. Mt 2, 2.9). A estrela de Jesus não encandeia, não atordoa, mas gentilmente convida. Podemos perguntar-nos pela estrela que escolhemos na vida. Há estrelas deslumbrantes, que suscitam fortes emoções mas não indicam o caminho. Tal é o sucesso, o dinheiro, a carreira, as honras, os prazeres procurados como objetivo da existência. Não passam de meteoritos: brilham por um pouco, mas depressa caem e o seu esplendor desaparece. São estrelas cadentes, que, em vez de orientar, despistam. Ao contrário, a estrela do Senhor nem sempre é fulgurante, mas está sempre presente: é meiga, guia-te pela mão na vida, acompanha-te. Não promete recompensas materiais, mas garante a paz e dá, como aos Magos, uma «imensa alegria» (Mt 2, 10). Pede, porém, para caminhar.

Caminhar, a segunda ação dos Magos, é essencial para encontrar Jesus. De facto, a sua estrela solicita a decisão de se pôr a caminho, a fadiga diária da caminhada; pede à pessoa para se libertar de pesos inúteis e sumptuosidades embaraçantes, que estorvam, e aceitar os imprevistos que não aparecem assinalados no mapa da vida tranquila. Jesus deixa-Se encontrar por quem O busca, mas, para O buscar, é preciso mover-se, sair. Não ficar à espera; arriscar. Não ficar parados; avançar. Jesus é exigente: a quem O busca, propõe-lhe deixar as poltronas das comodidades mundanas e os torpores sonolentos das suas lareiras. Seguir a Jesus não é um polido protocolo a respeitar, mas um êxodo a viver. Deus, que libertou o seu povo mediante o trajeto do êxodo e chamou novos povos para seguir a sua estrela, dá a liberdade e distribui a alegria, sempre e só, em caminho. Por outras palavras, para encontrar Jesus, é preciso perder o medo de entrar em jogo, a satisfação do caminho andado, a preguiça de não pedir mais nada à vida. Simplesmente para encontrar um Menino, já é preciso arriscar; mas vale bem a pena, porque, ao encontrar aquele Menino, ao descobrir a sua ternura e o seu amor, encontramo-nos a nós mesmos.

Pôr-se a caminho não é fácil. Assim no-lo mostra o Evangelho através dos vários personagens. Temos Herodes, perturbado pelo temor de que o nascimento dum rei ameace o seu poder. Por isso, organiza reuniões e envia outros a recolher informações; mas ele não se move, está fechado no seu palácio. E, com ele, «toda a Jerusalém» (Mt 2, 3) tem medo: medo das coisas novas de Deus. Prefere que tudo permaneça como antes – «fez-se sempre assim» -, e ninguém tem a coragem de se pôr a caminho. Mais subtil é a tentação dos sacerdotes e escribas: conhecem o lugar exato e indicam-no a Herodes, citando inclusive a profecia antiga; sabem, mas não dão um passo rumo a Belém. Pode ser a tentação de quem é crente há muito tempo: discorre-se de fé, como de algo que já é conhecido, mas que não se compromete pessoalmente com o Senhor. Fala-se, mas não se reza; lastima-se, mas não se faz o bem. Pelo contrário, os Magos falam pouco e caminham muito. Embora ignorando as verdades da fé, estão ansiosos e põem-se a caminho, como evidenciam os verbos do Evangelho: «viemos adorá-lo» (Mt 2, 2), «puseram-se a caminho; entraram na casa; prostraram-se; regressaram» (cf. Mt 2, 9.11.12): sempre em movimento.

Oferecer. Quando chegaram ao pé de Jesus, depois da longa viagem, os Magos fazem como Ele: dão. Jesus está ali para oferecer a vida; eles oferecem as suas preciosidades: ouro, incenso e mirra. O Evangelho está cumprido, quando o caminho da vida chega à doação. Dar gratuitamente, por amor do Senhor, sem esperar nada em troca: isto é sinal certo de ter encontrado Jesus, que diz «recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8). Praticar o bem sem cálculos, mesmo se ninguém no-lo pede, mesmo se não nos faz ganhar nada, mesmo se não nos apetece. Isto é o que Deus deseja. Ele, que Se fez pequenino por nós, pede-nos para oferecermos algo pelos seus irmãos mais pequeninos. E quem são? São precisamente aqueles que não têm com que retribuir, como o necessitado, o faminto, o forasteiro, o preso, o pobre (cf. Mt 25, 31-46). Oferecer um presente agradável a Jesus é cuidar dum doente, dedicar tempo a uma pessoa difícil, ajudar alguém que não nos inspira, oferecer o perdão a quem nos ofendeu. São presentes gratuitos, não podem faltar na vida cristã; caso contrário, como nos recorda Jesus, amando apenas aqueles que nos amam, fazemos como os pagãos (Mt 5, 46-47). Olhemos as nossas mãos muitas vezes vazias de amor, e procuremos hoje pensar num presente gratuito, sem retribuição, que possamos oferecer. Será agradável ao Senhor. E peçamos-Lhe: «Senhor, fazei-me redescobrir a alegria de dar».
Amados irmãos e irmãs, façamos como os Magos: olhar para o Alto, caminhar e oferecer presentes gratuitamente.

Fonte: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2018/documents/papa-francesco_20180106_omelia-epifania.html