segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

PAPA FRANCISCO NO MÉXICO: HOMILIA NA ÁREA DO CENTRO DE ESTUDOS DE ECATEPEC

SANTA MISSA NA ÁREA DO CENTRO DE ESTUDOS DE ECATEPEC
HOMILIA DO SANTO PADRE
Domingo, 14 de Fevereiro de 2016

Na quarta-feira passada, começamos o tempo litúrgico da Quaresma; nele, a Igreja convida-nos a preparar-nos para a celebração da grande festa da Páscoa. É um tempo especial para lembrar o dom do nosso Baptismo, quando fomos feitos filhos de Deus. A Igreja convida-nos a reavivar o dom recebido para não o deixar cair no esquecimento como algo passado ou guardado numa «caixa de recordações». Este tempo de Quaresma é uma boa ocasião para recuperar a alegria e a esperança que nos vem do facto de nos sentirmos filhos amados do Pai. Este Pai que nos espera para livrar-nos das vestes do cansaço, da apatia, da desconfiança e revestir-nos com a dignidade que só um verdadeiro pai e uma verdadeira mãe sabem dar aos seus filhos, as vestes que nascem da ternura e do amor.
O nosso Pai é pai duma grande família: é Pai nosso. Sabe ter um amor, mas não gerar e criar «filhos únicos». É um Deus que Se entende de família, de fraternidade, de pão partido e partilhado. É o Deus do «Pai Nosso», não do «pai meu e padrasto vosso».
Em cada um de nós, está inscrito, vive aquele sonho de Deus que voltamos a celebrar em cada Páscoa, em cada Eucaristia: somos filhos de Deus. Um sonho vivido por muitos irmãos nossos no decurso da história. Um sonho testemunhado pelo sangue de tantos mártires de ontem e de hoje.
Quaresma: tempo de conversão, porque experimentamos na vida de todos os dias como tal sonho se encontra continuamente ameaçado pelo pai da mentira – ouvimos no Evangelho o que fazia com Jesus –, por aquele que quer separar-nos, gerando uma família dividida e conflituosa. Uma sociedade dividida e conflituosa; uma sociedade de poucos e para poucos. Quantas vezes experimentamos na nossa própria carne ou na carne da nossa família, na dos nossos amigos ou vizinhos a amargura que nasce de não sentir reconhecida esta dignidade que todos trazemos dentro. Quantas vezes tivemos de chorar e arrepender-nos, porque nos demos conta de não ter reconhecido tal dignidade nos outros. Quantas vezes – digo-o com tristeza – permanecemos cegos e insensíveis perante a falta de reconhecimento da dignidade própria e alheia.
Quaresma: tempo para regular os sentidos, abrir os olhos para tantas injustiças que atentam directamente contra o sonho e o projecto de Deus. Tempo para desmascarar aquelas três grandes formas de tentação que rompem, fazem em pedaços a imagem que Deus quis plasmar.
As três tentações de Cristo... Três tentações do cristão que procuram arruinar a verdade a que fomos chamados. Três tentações que visam degradar e degradar-nos.
Primeira, a riqueza, apropriando-nos de bens que foram dados para todos, usando-os só para mim ou para «os meus». É conseguir o pão com o suor alheio ou até com a vida alheia. Tal riqueza é pão que sabe a tristeza, amargura e sofrimento. Numa família ou numa sociedade corrupta, este é o pão que se dá a comer aos próprios filhos. Segunda tentação, a vaidade: a busca de prestígio baseada na desqualificação contínua e constante daqueles que «não são ninguém». A busca exacerbada daqueles cinco minutos de fama que não perdoa a «fama» dos outros. E, «alegrando-se com a desgraça alheia», abre-se caminho à terceira tentação, a pior, a do orgulho, ou seja, colocar-se num plano de superioridade de qualquer tipo, sentindo que não se partilha «a vida comum dos mortais» e rezando todos os dias: «Dou-Vos graças, Senhor, porque não me fizestes como eles».
Três tentações de Cristo... Três tentações que o cristão enfrenta diariamente. Três tentações que procuram degradar, destruir e tirar a alegria e o frescor do Evangelho; que nos fecham num círculo de destruição e pecado.
Por isso vale a pena perguntarmo-nos: Até que ponto estamos conscientes destas tentações na nossa vida, em nós mesmos? Até que ponto nos acostumamos a um estilo de vida que considera a riqueza, a vaidade e o orgulho como a fonte e a força de vida? Até que ponto estamos convencidos de que cuidar do outro, preocupar-nos e ocupar-nos com o pão, o bom nome e a dignidade dos outros seja fonte de alegria e de esperança?
Escolhemos Jesus e não o diabo. Se vos recordais do que escutamos no Evangelho, Jesus não responde ao demónio com qualquer palavra própria, mas responde-lhe com as palavras de Deus, com as palavras da Sagrada Escritura. Com efeito, irmãs e irmãos, - fixemo-lo bem na cabeça – com o demónio não se dialoga, não se pode dialogar, porque sempre nos ganhará. Só a força da Palavra de Deus o pode derrotar. Nós escolhemos, não o diabo, mas Jesus; queremos seguir os seus passos, mas sabemos que não é fácil. Sabemos o que significa ser seduzidos pelo dinheiro, a fama e o poder. Por isso, a Igreja oferece-nos este tempo da Quaresma, convida-nos à conversão com uma única certeza: Ele está à nossa espera e quer curar o nosso coração de tudo aquilo que o degrada, degradando-se ou degradando a outros. É o Deus que tem um nome: misericórdia. O seu nome é a nossa riqueza, o seu nome é a nossa fama, o seu nome é o nosso poder. E é no seu nome que repomos a nossa confiança, como diz o Salmo: «Vós sois o meu Deus, em Vós confio». Têm a coragem de repetir isto juntos? Três vezes: «Vós sois o meu Deus, em Vós confio». «Vós sois o meu Deus, em Vós confio». «Vós sois o meu Deus, em Vós confio».
Que, nesta Eucaristia, o Espírito Santo renove em nós a certeza de que o seu nome é misericórdia e nos faça experimentar, em cada dia, que «o Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus», sabendo que com Ele e n’Ele sempre nasce e «renasce (…) a alegria» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 1).

PAPA FRANCISCO NO MÉXICO: HHOMILIA NA SANTA MISSA NA BASÍLICA DE GUADALUPE

SANTA MISSA NA BASÍLICA DE GUADALUPE
HOMILIA DO SANTO PADRE
Cidade do México
Sábado, 13 de Fevereiro de 2016

Acabámos de escutar como Maria foi visitar a prima Isabel. Sem demora nem hesitação, apressadamente, vai fazer companhia à sua parente que estava nos últimos meses de gravidez.
O encontro com o anjo não deteve Maria, porque não Se sentiu privilegiada, nem no dever de Se afastar dos seus. Pelo contrário, reavivou e pôs em marcha uma atitude pela qual Maria é e será sempre identificada como a mulher do sim, um sim de entrega a Deus e, ao mesmo tempo, um sim de entrega aos seus irmãos. É o sim que A pôs em marcha para dar o melhor de Si mesma, caminhando ao encontro dos outros.
Escutar esta passagem do Evangelho nesta casa tem um sabor especial. Maria, a mulher do sim, também quis visitar os habitantes desta terra da América na pessoa do índio São Juan Diego. Assim como se moveu pelas estradas da Judeia e da Galileia, da mesma forma alcançou Tepeyac, com as suas roupas, usando a sua língua, para servir esta grande nação. E assim como acompanhou a gravidez de Isabel, acompanhou e acompanha a gestação desta abençoada terra mexicana. Assim como Se apresentou ao humilde Juanito, de igual modo continua a fazer-se presente junto de todos nós, especialmente daqueles que sentem, como ele, que «não valem nada» (cf. Nican Mopohua, 55). Aquela escolha particular, digamos preferencial, de Juanito não foi contra ninguém, mas a favor de todos. Juan, o índio humilde que a si mesmo se designava como «mecapalcacaxtle, cauda, asa, necessitado ele próprio de ser conduzido» (cf. ibidem), tornou-se «o mensageiro, muito digno de confiança».
Naquela madrugada de Dezembro de 1531, tinha lugar o primeiro milagre que se tornará depois a memória viva de tudo o que guarda este Santuário. Naquele amanhecer, naquele encontro, Deus despertou a esperança de seu filho Juan, a esperança dum povo. Naquele amanhecer, Deus despertou e desperta a esperança dos mais humildes, dos atribulados, dos deslocados e marginalizados, de quantos sentem que não têm um lugar digno nestas terras. Naquele amanhecer, Deus aproximou-Se e aproxima-Se do coração atribulado mas resistente de tantas mães, pais, avós que viram os seus filhos partir, viram-nos perdidos ou mesmo arrebatados pela criminalidade.
Naquele amanhecer, Juanzito experimenta na sua vida o que é a esperança, o que é a misericórdia de Deus. É escolhido para vigiar, cuidar, proteger e incentivar a construção deste Santuário. Mais do que uma vez, disse à Virgem que ele não era a pessoa certa; antes, se Ela queria levar por diante aquela obra, deveria escolher outros, porque ele não tinha instrução, não era formado, nem pertencia ao grupo daqueles que poderiam realizá-la. Maria, decididamente – com a decisão que nasce do coração misericordioso do Pai –, não aceita: ele seria o seu mensageiro.
Deste modo consegue manifestar algo difícil de expressar, uma verdadeira e própria imagem transparente de amor e de justiça: na construção do outro santuário – o santuário da vida, o das nossas comunidades, sociedades e culturas –, ninguém pode ser deixado de fora. Todos somos necessários, sobretudo aqueles que normalmente não contam porque não estão à «altura das circunstâncias» ou porque não «contribuem com o capital necessário» para a sua construção. O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, de todos e em todas as condições, especialmente dos jovens sem futuro, expostos a uma infinidade de situações dolorosas e arriscadas, e dos idosos sem reconhecimento, esquecidos em tantos cantos. O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o rosto de tantos que encontramos no nosso caminho...
Ao visitar este Santuário, pode-nos acontecer o mesmo que sucedeu a Juan Diego: olhar a Mãe a partir das nossas dores, medos, desesperos, tristezas, e dizer-Lhe: «Que posso dar eu, se não sou uma pessoa instruída?». Fixamos a Mãe, com olhos que dizem: «Há tantas situações que nos tiram a força, que nos fazem sentir que não há espaço para a esperança, para a mudança, para a transformação».
Por isso, creio que hoje nos fará bem um pouco de silêncio e olhá-La; olhá-La intensamente e com calma, dizendo-Lhe como aquele outro filho que A amava muito:
«Olhar-Te simplesmente - Mãe -,
deixando aberto só o olhar;
Olhar-Te de cima a baixo, sem Te dizer nada,
e dizer-Te tudo, mudo e reverente.
Não turbar o vento da tua fronte;
só abrigar a minha solidão violada
nos teus olhos de Mãe enamorada
e no teu ninho de terra transparente.
As horas precipitam; fustigados
mordem os homens insensatos a imundície
da vida e da morte, com os seus rumores.
Olhar-Te, Mãe; contemplar-Te apenas,
o coração silencioso na tua ternura,
no teu casto silêncio de açucenas» (Hino litúrgico).
E no silêncio, enquanto ficamos a contemplá-La, ouvir que nos repete mais uma vez: «Que tens, meu filho, o menor de todos? O que é que entristece o teu coração?» (cf. Nican Mopohua, 107.108) «Porventura não estou aqui Eu, Eu que tenho a honra de ser tua mãe?» (ibid., 119).
Ela diz-nos que tem a «honra» de ser nossa mãe. Isto dá-nos a certeza de que as lágrimas daqueles que sofrem, não são estéreis. São uma oração silenciosa que sobe até ao céu e que, em Maria, encontra sempre lugar sob o seu manto. N’Ela e com Ela, Deus faz-Se irmão e companheiro de estrada, carrega connosco as cruzes para não deixar as nossas dores esmagar-nos.
Porventura não sou tua mãe? Não estou Eu aqui? Não te deixes vencer pelas tuas dores, pelas tuas tristezas: diz-nos Ela. Hoje, volta a enviar-nos como a Juanito; hoje repete para nós: Sê o meu mensageiro, sê o meu enviado para construir muitos santuários novos, acompanhar tantas vidas, consolar tantas lágrimas. Basta que caminhes pelas estradas do teu bairro, da tua comunidade, da tua paróquia como meu mensageiro, minha mensageira; levanta santuários compartilhando a alegria de saber que não estamos sozinhos, que Ela está connosco. Sê o meu mensageiro – diz-nos – dando de comer aos famintos, de beber aos sedentos; oferece um lugar aos necessitados, veste os nus e visita os doentes. Socorre os prisioneiros, não os deixes sozinhos, perdoa a quem te fez mal, consola quem está triste, tem paciência com os outros e sobretudo implora e invoca o nosso Deus. E, no silêncio, diz-Lhe o que te vier ao coração.
Porventura não sou Eu a tua mãe? Porventura não estou Eu aqui? – diz-nos novamente Maria. Vai construir o meu santuário, ajuda-Me a erguer a vida dos meus filhos, que são teus irmãos.

Fonte: https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2016/documents/papa-francesco_20160213_omelia-messico-guadalupe.html

PAPA FRANCISCO: ENCONTRO COM OS BISPOS DO MÉXICO

ENCONTRO COM OS BISPOS DO MÉXICO
DISCURSO DO SANTO PADRE
Catedral da Cidade do México
Sábado, 13 de Fevereiro de 2016





Queridos irmãos!
Estou feliz por vos poder encontrar no dia seguinte ao da minha chegada a este país, que também eu, seguindo os passos dos meus Predecessores, vim visitar.
Não podia deixar de vir! Poderia o Sucessor de Pedro, chamado do profundo sul latino-americano, privar-se da possibilidade de pousar o olhar na «Virgem Morenita»?
Agradeço-vos por me terdes recebido nesta Catedral, a «casita» – a «casita», um pouco alongada mas sempre «sagrada», que pediu a Virgem de Guadalupe – e pelas amáveis palavras de boas-vindas que me dirigistes.
Sabendo que aqui se encontra o coração secreto de cada mexicano, entro com passo delicado, como se deve entrar na casa e na alma deste povo, sentindo-me profundamente grato por me abrir a porta. Sei que, fixando os olhos da Virgem, alcanço o olhar do vosso povo, que aprendeu a mostrar-se n’Ela. Sei que nenhuma outra voz pode falar tão profundamente do coração mexicano, como me pode falar a Virgem; Ela guarda os seus mais nobres desejos, as esperanças mais recônditas; recolhe as suas alegrias e lágrimas; Ela compreende os seus numerosos idiomas e responde-lhes com ternura de Mãe, porque são os seus filhos.
Estou feliz por estar convosco aqui, nas proximidades da «Colina de Tepeyac», como nos alvores da evangelização deste continente e, por favor, permiti-me que, tudo quanto vos disser, possa fazê-lo partindo da Guadalupana. Como quereria que fosse Ela mesma a levar, até às profundezas das vossas almas de pastores e – por vosso intermédio – a cada uma das vossas Igrejas particulares presentes neste vasto México, tudo o que intensamente brota do coração do Papa!
Como sucedeu com São Juan Diego e as sucessivas gerações dos filhos da Guadalupana, também o Papa, há tempos, cultivava o desejo de olhar para Ela. Mais ainda, queria eu mesmo ser envolvido pelo seu olhar materno. Reflecti muito sobre o mistério deste olhar e peço-vos que acolhais tudo o que brota do meu coração de Pastor neste momento.
Um olhar de ternura
Antes de mais nada, a «Virgem Morenita» ensina-nos que a única força capaz de conquistar o coração dos homens é a ternura de Deus. Aquilo que encanta e atrai, aquilo que abranda e vence, aquilo que abre e liberta das cadeias não é a força dos meios nem a dureza da lei, mas a fragilidade omnipotente do amor divino, que é a força irresistível da sua doçura e a promessa irreversível da sua misericórdia.
Um inquieto e ilustre escritor desta terra, Octávio Paz, disse que, em Guadalupe, não se pede a abundância das colheitas nem a fertilidade da terra, mas procura-se um regaço no qual os homens, sempre órfãos e deserdados, buscam um abrigo, um lar.
Passados séculos do evento fundador deste país e da evangelização do continente, porventura se diluiu ou está esquecida a necessidade dum regaço por que anseia o coração do povo que vos está confiado?
Conheço a longa e dolorosa história que atravessastes, não sem o derramamento de muito sangue, não sem convulsões impiedosas e dilacerantes, não sem violência e incompreensões. Com razão, o meu venerado e santo Predecessor, que se sentia no México como em sua casa, quis lembrar que a vossa história «é percorrida, como rios às vezes ocultos e sempre caudalosos, por três realidades que ora se encontram, ora revelam as suas diferenças complementares, sem jamais se confundirem totalmente: a antiga e rica sensibilidade dos povos indígenas que amaram Juan de Zumárraga e Vasco de Quiroga, aos quais muitos desses povos continuam a chamar pais; o cristianismo arraigado na alma dos mexicanos; e a moderna racionalidade, de perfil europeu, que tanto quis enaltecer a independência e a liberdade» (João Paulo II, Discurso na cerimónia de chegada ao México, 22 de Janeiro de 1999).
E nesta história, nunca se mostrou infecundo o regaço materno que tem gerado continuamente o México, embora às vezes se parecesse com aquela rede quase a romper-se que continha cento e cinquenta e três peixes (Jo 21, 11), mas as fracturas ameaçadoras sempre se recompuseram.
Por isso, convido-vos a começar de novo desta necessidade de um regaço que emana da alma do vosso povo. O regaço da fé cristã é capaz de reconciliar o passado marcado muitas vezes por solidão, isolamento e marginalização, com o futuro continuamente relegado para um amanhã que escapa. Apenas naquele regaço é possível, sem renunciar à própria identidade, «descobrir a verdade profunda da nova humanidade, em que todos são chamados a ser filhos de Deus» (João Paulo II, Homilia na canonização de São Juan Diego, 31 de Julho de 2002).
Inclinai-vos, irmãos, com delicadeza e respeito, sobre a alma profunda do vosso povo, debruçai-vos com atenção e decifrai o seu rosto misterioso. Porventura o presente, muitas vezes dissolvido em dispersões e festas, não é também prenúncio de Deus que é o único e pleno presente? Porventura a familiaridade com a dor e a morte não são formas de coragem e caminhos rumo à esperança? Porventura a percepção de que o mundo esteja necessitado sempre e somente de redenção não será um antídoto à auto-suficiência arrogante de quantos julgam possível poder prescindir de Deus?
Naturalmente, para tudo isto é necessário um olhar capaz de reflectir a ternura de Deus. Por isso, sede bispos de olhar límpido, alma transparente, rosto luminoso; não tenhais medo da transparência; a Igreja não precisa da obscuridade para trabalhar. Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo; não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa; não ponhais a vossa confiança nos «carros e cavalos» dos faraós de hoje, porque a nossa força é a «coluna de fogo» que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor (Ex 14, 24-25).
O mundo, onde o Senhor nos chama a exercer a nossa missão, tornou-se muito complexo. À prepotente ideia do «cogito», que pelo menos não negava que houvesse uma rocha acima da areia do ser, sobrepôs-se hoje uma concepção da vida – no dizer de muitos – mais vacilante, vaga e caótica do que nunca, porque carece de um substrato sólido. As fronteiras, tão intensamente exigidas e sustentadas, tornaram-se permeáveis à novidade dum mundo em que a força de alguns já não pode sobreviver sem a vulnerabilidade dos outros. A hibridação irreversível da tecnologia aproxima o que está afastado, mas, infelizmente, torna distante o que deveria estar perto.
E, precisamente num mundo assim, Deus pede-vos para ter um olhar capaz de interceptar a pergunta que grita no coração do vosso povo, o único que, no próprio calendário, possui uma «festa do grito». Àquele grito, é preciso responder que Deus existe e, graças a Jesus, está perto; responder que só Deus é a realidade sobre a qual se pode construir, porque «Deus é a realidade fundante, não um Deus apenas pensado ou hipotético, mas o Deus com um rosto humano» (Bento XVI, Discurso inaugural da V Conferência Geral do CELAM, 13 de Maio de 2007).
Nos vossos olhares, o povo mexicano tem o direito de encontrar os indícios de quem «viu o Senhor» (cf. Jo 20, 25), de quem esteve com Deus. Isto é o essencial. Assim, não percais tempo e energias nas coisas secundárias, nas críticas e intrigas, em projectos vãos de carreira, em planos vazios de hegemonia, nos clubes estéreis de interesses ou compadrios. Não vos deixeis paralisar pelas murmurações e maledicências. Introduzi os vossos sacerdotes nesta compreensão do ministério sagrado. A nós, ministros de Deus, basta a graça de «beber o cálice do Senhor», o dom de guardar a parte da sua herança que nos foi confiada, apesar de sermos administradores inexperientes. Deixemos o Pai atribuir-nos o lugar que preparou para nós (Mt 20, 20-28). Poderemos nós ocupar-nos verdadeiramente doutras coisas que não sejam as do Pai? Fora das «coisas do Pai» (Lc 2, 48-49), perdemos a nossa identidade e, culpavelmente, tornamos vã a sua graça.
Se o nosso olhar não dá testemunho de ter visto Jesus, então as palavras que recordamos d’Ele não passam de figuras retóricas vazias. Talvez expressem a nostalgia daqueles que não podem esquecer o Senhor, mas, em todo o caso, são apenas o balbuciar de órfãos junto do sepulcro. No fim de contas, são palavras incapazes de impedir que o mundo fique abandonado e reduzido ao próprio poder desesperado.
Penso na necessidade de oferecer um regaço materno aos jovens. Que os vossos olhares sejam capazes de se cruzar com o deles, de os amar e individuar o que eles buscam com aquela força com que muitos como eles deixaram barcos e redes na praia do mar (Mc 1, 17-18), abandonaram bancas de extorsão para seguir o Senhor da verdadeira riqueza (Mt 9, 9).
Preocupam-me tantos jovens que, seduzidos pelo poder vazio do mundo, exaltam as quimeras e revestem-se dos seus símbolos macabros para comercializar a morte em troca de moedas que, no fim, a ferrugem corrói e os ladrões arrombam os muros para as roubar (Mt 6, 19). Peço-vos que não subestimeis o desafio ético e anticívico que o narcotráfico representa para a juventude e para a sociedade mexicana inteira, incluindo a Igreja.
A amplitude do fenómeno, a complexidade das suas causas, a imensidade da sua extensão como metástase devoradora, a gravidade da violência que desagrega e suas conexões transtornadas não consentem que nós, pastores da Igreja, nos refugiemos em condenações genéricas – formas nominalistas –, mas exigem uma coragem profética e um projecto pastoral sério e qualificado para contribuir, gradualmente, a tecer aquela delicada rede humana, sem a qual todos estaríamos, desde o início, derrotados por tal ameaça insidiosa. Só começando das famílias; aproximando-nos e abraçando a periferia humana e existencial das áreas desoladas das nossas cidades; envolvendo as comunidades paroquiais, as escolas, as instituições comunitárias, a comunidade política, as estruturas de segurança; só assim será possível libertar-se totalmente das águas onde, infelizmente, se afogam tantas vidas, seja a vida de quem morre como vítima, seja a de quem diante de Deus terá as mãos sempre manchadas de sangue, mesmo que tenha os bolsos cheios de dinheiro sórdido e a consciência anestesiada.
E, com o olhar fixo de novo na Virgem de Guadalupe, dir-vos-ei uma segunda coisa:
Um olhar capaz de tecer
No manto da alma mexicana, Deus teceu, com o fio dos traços mestiços do seu povo, o rosto da sua manifestação na «Morenita». Deus não precisa de cores perecíveis para desenhar o seu rosto. Os desenhos de Deus não são condicionados pelas cores e os fios, mas determinados pela irreversibilidade do seu amor que quer tenazmente imprimir-se em nós.
Por isso, sede bispos capazes de imitar esta liberdade de Deus, escolhendo o que é humilde para manifestar a majestade do seu rosto e copiar esta paciência divina ao tecer, com o fio subtil da humanidade que encontrais, aquele homem novo que o vosso país espera. Não vos deixeis levar pela vã pretensão de mudar o povo, como se o amor de Deus não tivesse força suficiente para o mudar.
Redescobri, depois, a constância sábia e humilde com que os Pais da fé desta Pátria souberam introduzir as gerações sucessivas na semântica do mistério divino. Primeiro aprendendo e, em seguida, ensinando a gramática necessária para dialogar com Deus, escondido nos séculos da sua busca e tornado próximo na pessoa do seu Filho Jesus, que hoje muitos reconhecem, na sua imagem ensanguentada e humilhada, como figura do próprio destino. Imitai a sua condescendência e a sua capacidade de abaixar-Se; nunca compreenderemos suficientemente o facto de Deus ter tecido, com os fios mestiços do nosso povo, o rosto com que Se deu a conhecer! Nunca Lhe agradeceremos bastante por este abaixamento, por esta «sincatábasis».
Peço-vos um olhar de singular delicadeza para os povos indígenas, para eles e suas fascinantes e não raro massacradas culturas. O México tem necessidade das suas raízes ameríndias, para não ficar um enigma sem solução. Os indígenas do México esperam ainda que se lhes reconheça, efectivamente, a riqueza da sua contribuição e a fecundidade da sua presença para herdar aquela identidade que vos torna uma nação única, e não apenas uma entre outras.
Muitas vezes se falou do presunto destino por cumprir desta nação, do «labirinto da solidão» em que estaria prisioneira, da geografia como destino que a enreda. Segundo alguns, tudo isto seria obstáculo para o desenho dum rosto unitário, duma identidade adulta, duma posição singular no concerto das nações e duma missão compartilhada.
Segundo outros, a própria Igreja no México estaria condenada a escolher entre sofrer a inferioridade para onde foi relegada nalguns períodos da sua história, como quando a sua voz foi silenciada e procurou-se suprimir a sua presença, ou aventurar-se nos fundamentalismos para voltar a ter certezas provisórias – como aquele famoso «cogito» –, esquecendo-se que tem inscrita no coração a sede de Absoluto e está chamada, em Cristo, a congregar todos e não apenas uma parte (cf. Lumen gentium 1, 1).
Em vez disso, não vos canseis de lembrar ao vosso povo como são fortes as raízes antigas que permitiram a viva síntese cristã de comunhão humana, cultural e espiritual que aqui se forjou. Recordai que as asas do vosso povo já planaram várias vezes por cima de não poucas vicissitudes. Guardai a memória do longo caminho percorrido até agora – sejam deuteronómicos – e sabei suscitar a esperança de novas metas, porque o amanhã será uma terra «rica de frutos» embora nos coloque desafios não indiferentes (Nm 13, 27-28).
Que os vossos olhares, fixos sempre e apenas em Cristo, sejam capazes de contribuir para a unidade do vosso povo; favorecer a reconciliação das suas diferenças e a integração das suas diversidades; promover a solução dos seus problemas endógenos; lembrar a medida alta que o México pode alcançar, se aprender a pertencer-se a si mesmo antes que aos outros; ajudar a encontrar soluções compartilhadas e sustentáveis para as suas misérias; motivar a nação inteira para não se contentar com menos de quanto se espera do modo mexicano de habitar o mundo.
E uma terceira reflexão:
Um olhar atento e solidário, não adormecido
Peço-vos para não cairdes na estagnação de dar velhas respostas às novas questões. O vosso passado é um poço de riquezas por escavar, que pode inspirar o presente e iluminar o futuro. Ai de vós se vos deixais adormentar sobre os louros! É preciso não desperdiçar a herança recebida, guardando-a com um trabalho constante. Estais sentados aos ombros de gigantes: bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos fiéis «até ao fim», que deram a vida para a Igreja poder cumprir a sua missão. Do alto de tal pódio, sois chamados a alongar o olhar sobre o campo do Senhor para programar a sementeira e esperar a colheita.
Convido-vos a trabalhar, a trabalhar sem medo na tarefa de evangelizar e aprofundar a fé, por meio duma catequese mistagógica que saiba valorizar a religiosidade popular da vossa gente. O nosso tempo exige atenção pastoral às pessoas e grupos que esperam poder encontrar-se com Cristo vivo. Só uma corajosa conversão pastoral – e sublinho conversão pastoral – das nossas comunidades pode procurar, gerar e nutrir os actuais discípulos de Jesus (cf. Documento de Aparecida, 226; 368; 370).
Por isso nós, pastores, precisamos de vencer a tentação da distância – deixo cada um de vós fazer o catálogo das distâncias que possam existir nesta Conferência Episcopal; não as conheço, mas recomendo igualmente vencer a tentação da distância – e do clericalismo, da frieza e da indiferença, do triunfalismo e da auto-referencialidade. Guadalupe ensina-nos que Deus é familiar, um Deus próximo, no seu rosto, e que a proximidade e a condescendência – aquele abaixar-se e aproximar-se – podem mais do que a força, do que qualquer tipo de força.
Como ensina a bela tradição guadalupana, a «Morenita» guarda os olhares daqueles que A contemplam, reflecte o rosto daqueles que A encontram. É necessário aprender que há algo de irrepetível em cada pessoa que olha para nós à procura de Deus. Compete-nos a nós tornar-nos permeáveis a tais olhares: guardar em nós cada um deles, conservá-los no coração, protegê-los.
Só uma Igreja que saiba proteger o rosto dos homens que vêm bater à sua porta, será capaz de lhes falar de Deus. Se não decifrarmos os seus sofrimentos, se não nos dermos conta das suas necessidades, nada poderemos oferecer. A riqueza de que dispomos flui somente quando encontramos a pequenez daqueles que mendigam, encontro esse que se realiza, precisamente, no nosso coração de pastores.
Peço-vos que o primeiro rosto a guardar no vosso coração seja o dos vossos sacerdotes. Não os deixeis expostos à solidão e ao abandono, como presa do mundanismo que devora o coração. Estai atentos e aprendei a ler os seus olhares, para vos alegrardes com eles quando se sentem felizes contando tudo o que «fizeram e ensinaram» (Mc 6, 30), e para não os abandonardes quando se sentem um pouco desanimados, só conseguindo chorar porque «negaram o Senhor» (Lc 22, 61-62), e também – por que não? – para os apoiardes, em comunhão com Cristo, quando algum, já abatido, sair com Judas «na noite» (Jo 13, 30). Nestas situações, nunca falte a vossa paternidade de bispos para com os vossos sacerdotes. Encorajai a comunhão entre eles; fazei com que possam aperfeiçoar os seus dons; inseri-os nas grandes causas, porque o coração do apóstolo não foi feito para coisas pequenas.
A necessidade de familiaridade habita no coração de Deus. Assim Nossa Senhora de Guadalupe pede apenas uma «casita sagrada». Os nossos povos latino-americanos apreciam os diminutivos na linguagem – uma casita sagrada – e usam-nos de bom grado. Talvez necessitem de diminutivos porque, doutra forma, sentir-se-iam perdidos. Adaptaram-se a sentir-se pequeninos e acostumaram-se a viver na modéstia.
A Igreja, mesmo quando se reúne numa majestosa catedral, não poderá deixar de considerar-se como uma «casita» onde os seus filhos se sintam à vontade. Diante de Deus, pode-se permanecer apenas se se é pequeno, se se é órfão, se se é mendicante. O protagonista da história da salvação é o mendigo.
«Casita» familiar e, ao mesmo tempo, «sagrada», porque a proximidade se enche da grandeza omnipotente. Somos guardiões deste mistério. Às vezes perdemos este sentido da medida divina humilde e cansamo-nos de oferecer ao nosso povo a «casita», onde possa sentir-se em intimidade com Deus. Pode acontecer também que, tendo descuidado um pouco o sentido da sua grandeza, se perdeu em parte o temor reverencial para com tal amor. Onde habita Deus, o homem não pode aceder sem ter sido admitido e sem antes «tirar as sandálias dos pés» (Ex 3, 5) confessando assim a própria insuficiência.
E o facto de nos termos esquecido de «tirar as sandálias» para entrar não estará porventura na raiz da perda do sentido da sacralidade da vida humana, da pessoa, dos valores essenciais, da sabedoria acumulada ao longo dos séculos, do respeito pela natureza? Sem recuperar, na consciência dos homens e da sociedade, estas raízes profundas, até ao generoso empenho em prol dos legítimos direitos humanos faltará a seiva vital que só pode vir dum manancial que a humanidade não poderá jamais dar-se por si mesma.
E, sempre contemplando a Mãe, digo para terminar:
Um olhar de conjunto e de unidade
Só olhando a «Morenita» é que o México tem uma visão completa de si mesmo. Por isso convido-vos a compreender que a missão que a Igreja vos confia hoje, e sempre vos confiou, exige este olhar que abrace a totalidade. E isto não se pode realizar isoladamente, mas só em comunhão.
A cintura com que apresenta a Guadalupana anuncia a sua fecundidade. É a Virgem que traz, no ventre, o Filho esperado pelos homens. É a Mãe que já tem em gestação a humanidade do novo mundo que nasce. É a Esposa que prefigura a maternidade fecunda da Igreja de Cristo. Vós tendes a missão de cingir a nação mexicana inteira com a fecundidade de Deus. Nenhum pedaço desta cintura pode ser desprezado.
O episcopado mexicano realizou passos notáveis nestes anos conciliares; aumentaram os seus membros; promoveu-se uma contínua e qualificada formação permanente; não faltou o ambiente fraterno; cresceu o espírito de colegialidade; as intervenções pastorais influíram sobre as vossas Igrejas e sobre a consciência nacional; as actividades pastorais compartilhadas revelaram-se frutuosas em áreas essenciais da missão eclesial como a família, as vocações e a presença social.
Ao mesmo tempo que nos alegramos com o caminho destes anos, peço-vos que não vos deixeis desanimar com as dificuldades nem poupeis qualquer esforço possível para promover, entre vós e nas vossas dioceses, o zelo missionário, especialmente a favor das partes mais necessitadas do único corpo da Igreja mexicana. Redescobrir que a Igreja é missão constitui um elemento fundamental para o seu futuro, porque só o entusiasmo, a admiração convicta dos evangelizadores tem a força de arrastar. Por isso, peço-vos que cuideis de maneira especial da formação e preparação dos leigos, superando toda a forma de clericalismo e envolvendo-os activamente na missão da Igreja, principalmente tornando presente, com o testemunho da própria vida, o Evangelho de Cristo no mundo.
Muito ajudará a este povo mexicano um testemunho unificante da síntese cristã e uma visão compartilhada da identidade e destino dele. Neste sentido, será muito importante que a Pontifícia Universidade do México esteja cada vez mais presente no coração dos esforços eclesiais para garantir aquele olhar de universalidade sem o qual a razão, resignada com modelos parciais, renuncia à sua mais alta aspiração de buscar a verdade.
A missão é vasta, e levá-la por diante requer uma multiplicidade de caminhos. Exorto-vos, com a mais viva insistência, a conservar a comunhão e a unidade entre vós. Isto é essencial, irmãos. (Não o tinha escrito aqui no texto; veio-me agora!) Se temos de pelejar, que se peleje; se temos de dizer as coisas, digamo-las. Mas, como homens: face a face; e como homens de Deus que, a seguir, vão rezar juntos, discernir juntos. E, se por acaso ultrapassamos as medidas, peça-se perdão. Mas mantende a unidade do corpo episcopal. Comunhão e unidade entre vós. A comunhão é a forma vital da Igreja, e a unidade dos seus pastores dá prova da sua veracidade. O México e a sua vasta e multiforme Igreja têm necessidade de bispos servidores e guardiães da unidade construída sobre a Palavra do Senhor, alimentada com o seu Corpo e guiada pelo seu Espírito que é o alento vital da Igreja.
Não há necessidade de «príncipes», mas duma comunidade de testemunhas do Senhor. Cristo é a sua única luz; é a fonte da água viva; da sua respiração, sai o Espírito que estende as velas da barca eclesial. Em Cristo glorificado, que os membros deste povo gostam de honrar como Rei, acendei juntos a luz, enchei-vos da sua presença que não Se extingue; respirai a plenos pulmões o ar bom do seu Espírito. Compete-vos semear Cristo no território, manter acesa a sua luz humilde que ilumina sem ofuscar, garantir que nas suas águas se sacie a sede do vosso povo; levantar as velas de modo que o sopro do Espírito as impulsione e não encalhe a barca da Igreja no México.
Lembrai-vos de que a Esposa – a Esposa de cada um de vós, a Mãe Igreja – sabe bem que o Pastor amado (Ct 1, 7) Se encontra apenas onde as pastagens são verdejantes e os ribeiros cristalinos. A Esposa desconfia dos companheiros do Esposo que, às vezes por descuido ou incapacidade, conduzem o rebanho para lugares áridos e cheios de pedregulhos. Ai de nós, pastores, companheiros do Supremo Pastor, se deixarmos vagar a sua Esposa, porque, na tenda por nós construída, não se encontra o Esposo.
Permiti-me uma última palavra para expressar o apreço do Papa por tudo o que tendes feito para enfrentar o desafio deste nosso tempo que são as migrações. Hoje, são milhões os filhos da Igreja que vivem na diáspora ou em trânsito peregrinando para o norte à procura de novas oportunidades. Muitos deles deixam para trás as suas raízes para se aventurar, mesmo na clandestinidade que envolve todo o tipo de riscos, em busca da «luz verde» que olham como a sua esperança. Muitas famílias se dividem; e nem sempre a integração na alegada «terra prometida» é tão fácil como se pensa.
Irmãos, que os vossos corações sejam capazes de os seguir e alcançar além das fronteiras. Reforçai a comunhão com os vossos irmãos do episcopado estadunidense, para que a presença materna da Igreja mantenha viva as raízes da sua fé – a fé deste povo –, as razões da sua esperança e a força da sua caridade. Para que não aconteça aos migrantes que, pendurando as suas cítaras, emudeçam as suas alegrias, esquecendo-se de Jerusalém e transformando-se em «exilados de si mesmos» (Salmo 136). Juntos, testemunhai que a Igreja é guardiã duma visão unitária do homem e não pode aceitar que seja reduzido a um mero «recurso humano».
Não será vã a solicitude das vossas dioceses ao derramar o pouco bálsamo que possuem nos pés feridos de quantos atravessam os seus territórios e gastar em favor deles o dinheiro duramente arrecadado; no fim, o divino Samaritano enriquecerá a quem não passou indiferente por Ele quando estava caído na estrada (Lc 10, 25-37).
Queridos irmãos, o Papa tem a certeza de que o México e a sua Igreja chegarão a tempo ao encontro consigo mesmo, com a história, com Deus. Talvez alguma pedra no caminho atrase a marcha, e o cansaço da viagem exigirá alguma pausa, mas nunca será suficiente para vos fazer perder a meta. Na verdade, poderá chegar tarde quem tem uma Mãe à sua espera? Quem pode ouvir continuamente ressoar no próprio coração: «Não estou aqui Eu, que sou tua Mãe?» Obrigado!

Fonte: https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2016/february/documents/papa-francesco_20160213_messico-vescovi.html 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

PAPA E PATRIARCA RUSSO ASSINAM HISTÓRICA DECLARAÇÃO CONJUNTA

Cidade do Vaticano (RV) – Em 30 itens, o Papa Francisco e o Patriarca Kirill passam em resenha e assinam a concordância sobre temas-chave para a reaproximação entre católicos e ortodoxos. Entre os tópicos principais, a preocupação comum sobre a situação dos cristãos no Oriente Médio, o protagonismo de Cuba e o futuro das relações entre ortodoxos e greco-católicos. "Senti a consolação do Espírito neste diálogo. São iniciativas viáveis que se podem realizar", disse o Papa Francisco após a assinatura da declaração.
Abaixo, publicamos a íntegra do documento histórico:
Declaração comum do Papa Francisco e do Patriarca Kirill de Moscovo e de toda a Rússia
"A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós" (2 Cor 13, 13).
1.         Por vontade de Deus Pai de quem provém todo o dom, no nome do Senhor nosso Jesus Cristo e com a ajuda do Espírito Santo Consolador, nós, Papa Francisco e Kirill, Patriarca de Moscou e de toda a Rússia, encontramo-nos, hoje, em Havana. Damos graças a Deus, glorificado na Trindade, por este encontro, o primeiro na história.
Com alegria, encontramo-nos como irmãos na fé cristã que se reúnem para “falar de viva voz” (2 Jo 12), coração a coração, e analisar as relações mútuas entre as Igrejas, os problemas essenciais de nossos fiéis e as perspectivas de progresso da civilização humana
2.         O nosso encontro fraterno teve lugar em Cuba, encruzilhada entre Norte e Sul, entre Leste e Oeste. A partir desta ilha, símbolo das esperanças do “Novo Mundo” e dos acontecimentos dramáticos da história do século XX, dirigimos a nossa palavra a todos os povos da América Latina e dos outros continentes.
Alegramo-nos porque aqui cresce, de forma dinâmica, a fé cristã. O forte potencial religioso da América Latina, a sua tradição cristã secular, presente na experiência pessoal de milhões de pessoas, são a garantia de um grande futuro para esta região.
3.         Encontrando-nos longe das antigas disputas do “Velho Mundo”, sentimos mais fortemente a necessidade de um trabalho comum entre católicos e ortodoxos, chamados a dar ao mundo, com mansidão e respeito, razão da esperança que está em nós (cf. 1 Ped 3, 15).
4.         Damos graças a Deus pelos dons que recebemos da vinda ao mundo do seu único Filho. Partilhamos a Tradição espiritual comum do primeiro milênio do cristianismo. As testemunhas desta Tradição são a Virgem Maria, Santíssima Mãe de Deus, e os Santos que veneramos. Entre eles, contam-se inúmeros mártires que testemunharam a sua fidelidade a Cristo e se tornaram “semente de cristãos”.
5.         Apesar desta Tradição comum dos primeiros dez séculos, há quase mil anos que católicos e ortodoxos estão privados da comunhão na Eucaristia. Estamos divididos por feridas causadas por conflitos de um passado distante ou recente, por divergências – herdadas dos nossos antepassados – na compreensão e explicitação da nossa fé em Deus, uno em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Deploramos a perda da unidade, consequência da fraqueza humana e do pecado, ocorrida apesar da Oração Sacerdotal de Cristo Salvador: “Para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti; para que assim eles estejam em Nós” (Jo 17, 21).
6.         Conscientes da permanência de numerosos obstáculos, esperamos que o nosso encontro possa contribuir para o restabelecimento desta unidade querida por Deus, pela qual Cristo rezou. Que o nosso encontro inspire os cristãos do mundo inteiro a rezar ao Senhor, com renovado fervor, pela unidade plena de todos os seus discípulos. Em um mundo que espera de nós não apenas palavras mas gestos concretos, possa este encontro ser um sinal de esperança para todos os homens de boa vontade!
7.         Determinados a realizar tudo o que seja necessário para superar as divergências históricas que herdamos, queremos unir os nossos esforços para testemunhar o Evangelho de Cristo e o patrimônio comum da Igreja do primeiro milênio, respondendo em conjunto aos desafios do mundo contemporâneo. Ortodoxos e católicos devem aprender a dar um testemunho concorde da verdade, em áreas onde isso seja possível e necessário. A civilização humana entrou em um período de mudança de época. A nossa consciência cristã e a nossa responsabilidade pastoral não nos permitem ficar inertes perante os desafios que requerem uma resposta comum.
8.         O nosso olhar dirige-se, em primeiro lugar, para as regiões do mundo onde os cristãos são vítimas de perseguição. Em muitos países do Oriente Médio e do Norte da África, os nossos irmãos e irmãs em Cristo veem exterminadas as suas famílias, aldeias e cidades inteiras. As suas igrejas são barbaramente devastadas e saqueadas; os seus objetos sagrados profanados, os seus monumentos destruídos. Na Síria, no Iraque e em outros países do Oriente Médio, constatamos, com amargura, o êxodo maciço dos cristãos da terra onde começou a espalhar-se a nossa fé e onde eles viveram, desde o tempo dos apóstolos, em conjunto com outras comunidades religiosas.
9.         Pedimos a ação urgente da Comunidade internacional para prevenir uma nova expulsão dos cristãos do Oriente Médio. Ao levantar a voz em defesa dos cristãos perseguidos, queremos expressar a nossa compaixão pelas tribulações sofridas pelos fiéis de outras tradições religiosas, também eles vítimas da guerra civil, do caos e da violência terrorista.
10.       Na Síria e no Iraque, a violência já causou milhares de vítimas, deixando milhões de pessoas sem casa nem meios de subsistência. Exortamos a Comunidade internacional a unir-se para pôr fim à violência e ao terrorismo e, ao mesmo tempo, a contribuir por meio do diálogo para um rápido restabelecimento da paz civil. É essencial garantir uma ajuda humanitária em larga escala às populações martirizadas e a tantos refugiados nos países vizinhos.
Pedimos a quantos possam influir sobre o destino das pessoas raptadas, entre as quais se encontram os Metropolitas de Aleppo, Paulo e João Ibrahim, sequestrados no mês de Abril de 2013, que façam tudo o que é necessário para a sua rápida libertação.
11.       Elevamos as nossas súplicas a Cristo, Salvador do mundo, pelo restabelecimento da paz no Oriente Médio, que é “fruto da justiça” (Is 32, 17), a fim de que se reforce a convivência fraterna entre as várias populações, as Igrejas e as religiões lá presentes, pelo regresso dos refugiados às suas casas, a cura dos feridos e o repouso da alma dos inocentes que morreram.
Com um ardente apelo, dirigimo-nos a todas as partes que possam estar envolvidas nos conflitos pedindo-lhes que deem prova de boa vontade e se sentem à mesa das negociações. Ao mesmo tempo, é preciso que a Comunidade internacional faça todos os esforços possíveis para pôr fim ao terrorismo valendo-se de ações comuns, conjuntas e coordenadas. Apelamos a todos os países envolvidos na luta contra o terrorismo, para que atuem de maneira responsável e prudente. Exortamos todos os cristãos e todos os crentes em Deus a suplicarem, fervorosamente, ao Criador providente do mundo que proteja a sua criação da destruição e não permita uma nova guerra mundial. Para que a paz seja duradoura e esperançosa, são necessários esforços específicos tendentes a redescobrir os valores comuns que nos unem, fundados no Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.
12.       Curvamo-nos perante o martírio daqueles que, à custa da própria vida, testemunham a verdade do Evangelho, preferindo a morte à apostasia de Cristo. Acreditamos que estes mártires do nosso tempo, pertencentes a várias Igrejas mas unidos por uma tribulação comum, são um penhor da unidade dos cristãos. É a vós, que sofreis por Cristo, que se dirige a palavra do Apóstolo: “Caríssimos, (...) alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória” (1 Ped 4, 12-13).
13.       Nesta época preocupante, é indispensável o diálogo inter-religioso. As diferenças na compreensão das verdades religiosas não devem impedir que pessoas de crenças diversas vivam em paz e harmonia. Nas circunstâncias atuais, os líderes religiosos têm a responsabilidade particular de educar os seus fiéis num espírito respeitador das convicções daqueles que pertencem a outras tradições religiosas. São absolutamente inaceitáveis as tentativas de justificar ações criminosas com slogans religiosos. Nenhum crime pode ser cometido em nome de Deus, “porque Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1 Cor 14, 33).
14.       Ao afirmar o alto valor da liberdade religiosa, damos graças a Deus pela renovação sem precedentes da fé cristã que acontece na Rússia e em muitos países da Europa Oriental, onde, durante algumas décadas, dominaram os regimes ateus. Hoje as cadeias do ateísmo militante estão quebradas e, em muitos lugares, os cristãos podem livremente confessar a sua fé. Em um quarto de século foram construídas dezenas de milhares de novas igrejas, e abertos centenas de mosteiros e escolas teológicas. As comunidades cristãs desenvolvem uma importante atividade sócio-caritativa, prestando variada assistência aos necessitados. Muitas vezes trabalham lado a lado ortodoxos e católicos; atestam a existência dos fundamentos espirituais comuns da convivência humana, ao testemunhar os valores do Evangelho.
15.       Ao mesmo tempo, estamos preocupados com a situação em muitos países onde os cristãos se debatem cada vez mais frequentemente com uma restrição da liberdade religiosa, do direito de testemunhar as suas convicções e da possibilidade de viver de acordo com elas. Em particular, constatamos que a transformação de alguns países em sociedades secularizadas, alheias a qualquer referência a Deus e à sua verdade, constitui uma grave ameaça à liberdade religiosa. É fonte de inquietação para nós a limitação atual dos direitos dos cristãos, se não mesmo a sua discriminação, quando algumas forças políticas, guiadas pela ideologia de um secularismo frequentemente muito agressivo, procuram relegá-los para a margem da vida pública.
16.       O processo de integração europeia, iniciado depois de séculos de sangrentos conflitos, foi acolhido por muitos com esperança, como uma garantia de paz e segurança. Todavia, convidamos a manter-se vigilantes contra uma integração que não fosse respeitadora das identidades religiosas. Embora permanecendo abertos à contribuição de outras religiões para a nossa civilização, estamos convencidos de que a Europa deve permanecer fiel às suas raízes cristãs. Pedimos aos cristãos da Europa Oriental e Ocidental que se unam para testemunhar em conjunto Cristo e o Evangelho, de modo que a Europa conserve a própria alma formada por dois mil anos de tradição cristã.
17.       O nosso olhar volta-se para as pessoas que se encontram em situações de grande dificuldade, em condições de extrema necessidade e pobreza, enquanto crescem as riquezas materiais da humanidade. Não podemos ficar indiferentes à sorte de milhões de migrantes e refugiados que batem à porta dos países ricos. O consumo desenfreado, como se vê em alguns países mais desenvolvidos, está gradualmente esgotando os recursos do nosso planeta. A crescente desigualdade na distribuição dos bens da Terra aumenta o sentimento de injustiça perante o sistema de relações internacionais que se estabeleceu.
18.       As Igrejas cristãs são chamadas a defender as exigências da justiça, o respeito pelas tradições dos povos e uma autêntica solidariedade com todos os que sofrem. Nós, cristãos, não devemos esquecer que “o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus” (1 Cor 1, 27-29).
19.       A família é o centro natural da vida humana e da sociedade. Estamos preocupados com a crise da família em muitos países. Ortodoxos e católicos partilham a mesma concepção da família e são chamados a testemunhar que ela é um caminho de santidade, que testemunha a fidelidade dos esposos nas suas relações mútuas, a sua abertura à procriação e à educação dos filhos, a solidariedade entre as gerações e o respeito pelos mais vulneráveis.
20.       A família funda-se no matrimônio, ato de amor livre e fiel entre um homem e uma mulher. É o amor que sela a sua união e os ensina a acolher-se reciprocamente como um dom. O matrimônio é uma escola de amor e fidelidade. Lamentamos que outras formas de convivência já estejam postas ao mesmo nível desta união, ao passo que o conceito, santificado pela tradição bíblica, de paternidade e de maternidade como vocação particular do homem e da mulher no matrimônio, seja banido da consciência pública.
21.       Pedimos a todos que respeitem o direito inalienável à vida. Milhões de crianças são privadas da própria possibilidade de nascer no mundo. A voz do sangue das crianças não nascidas clama a Deus (cf. Gn 4, 10).
O desenvolvimento da chamada eutanásia faz com que as pessoas idosas e os doentes comecem a sentir-se um peso excessivo para as suas famílias e a sociedade em geral.
Estamos preocupados também com o desenvolvimento das tecnologias reprodutivas biomédicas, porque a manipulação da vida humana é um ataque aos fundamentos da existência do homem, criado à imagem de Deus. Consideramos nosso dever lembrar a imutabilidade dos princípios morais cristãos, baseados no respeito pela dignidade do homem chamado à vida, segundo o desígnio do Criador.
22.       Hoje, desejamos dirigir-nos de modo particular aos jovens cristãos. Vós, jovens, tendes o dever de não esconder o talento na terra (cf. Mt 25, 25), mas de usar todas as capacidades que Deus vos deu para confirmar no mundo as verdades de Cristo, encarnar na vossa vida os mandamentos evangélicos do amor de Deus e do próximo. Não tenhais medo de ir contra a corrente, defendendo a verdade de Deus, à qual estão longe de se conformar sempre as normas secularizadas de hoje.
23.       Deus ama-vos e espera de cada um de vós que sejais seus discípulos e apóstolos. Sede a luz do mundo, de modo que quantos vivem ao vosso redor, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está no Céu (cf. Mt 5, 14.16). Haveis de educar os vossos filhos na fé cristã, transmitindo-lhes a pérola preciosa da fé (cf. Mt 13, 46), que recebestes dos vossos pais e antepassados. Lembrai-vos que “fostes comprados por um alto preço” (1 Cor 6, 20), a custo da morte na cruz do Homem-Deus Jesus Cristo.
24.       Ortodoxos e católicos estão unidos não só pela Tradição comum da Igreja do primeiro milênio mas também pela missão de pregar o Evangelho de Cristo no mundo de hoje. Esta missão exige o respeito mútuo entre os membros das comunidades cristãs e exclui qualquer forma de proselitismo.
Não somos concorrentes, mas irmãos: por esta certeza, devem ser guiadas todas as nossas ações recíprocas e em benefício do mundo exterior. Exortamos os católicos e os ortodoxos de todos os países a aprender a viver juntos na paz e no amor e a ter “os mesmos sentimentos, uns com os outros” (Rm 15, 5). Por isso, é inaceitável o uso de meios desleais para incitar os crentes a passar de uma Igreja para outra, negando a sua liberdade religiosa ou as suas tradições. Somos chamados a pôr em prática o preceito do apóstolo Paulo: “Tive a maior preocupação em não anunciar o Evangelho onde já era invocado o nome de Cristo, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rm 15, 20).
25.       Esperamos que o nosso encontro possa contribuir também para a reconciliação, onde existirem tensões entre greco-católicos e ortodoxos. Hoje, é claro que o método do “uniatismo” do passado, entendido como a união de uma comunidade à outra separando-a da sua Igreja, não é uma forma que permita restabelecer a unidade. Contudo, as comunidades eclesiais surgidas nestas circunstâncias históricas têm o direito de existir e de empreender tudo o que é necessário para satisfazer as exigências espirituais dos seus fiéis, procurando ao mesmo tempo viver em paz com os seus vizinhos. Ortodoxos e greco-católicos precisam de reconciliar-se e encontrar formas mutuamente aceitáveis de convivência.
26.       Deploramos o conflito na Ucrânia que já causou muitas vítimas, provocou inúmeras tribulações a gente pacífica e lançou a sociedade em uma grave crise econômica e humanitária. Convidamos todas as partes do conflito à prudência, à solidariedade social e à atividade de construir a paz. Convidamos as nossas Igrejas na Ucrânia a trabalhar por se chegar à harmonia social, abster-se de participar no conflito e não apoiar ulteriores desenvolvimentos do mesmo.
27.       Esperamos que o cisma entre os fiéis ortodoxos na Ucrânia possa ser superado com base nas normas canônicas existentes, que todos os cristãos ortodoxos da Ucrânia vivam em paz e harmonia, e que as comunidades católicas do país contribuam para isso de modo que seja visível cada vez mais a nossa fraternidade cristã.
28.       No mundo contemporâneo, multiforme e todavia unido por um destino comum, católicos e ortodoxos são chamados a colaborar fraternalmente no anúncio da Boa Nova da salvação, a testemunhar juntos a dignidade moral e a liberdade autêntica da pessoa, “para que o mundo creia” (Jo 17, 21). Este mundo, onde vão desaparecendo progressivamente os pilares espirituais da existência humana, espera de nós um vigoroso testemunho cristão em todas as áreas da vida pessoal e social. Nestes tempos difíceis, o futuro da humanidade depende em grande parte da nossa capacidade conjunta de darmos testemunho do Espírito de verdade.
29.       Neste corajoso testemunho da verdade de Deus e da Boa Nova salvífica, possa sustentar-nos o Homem-Deus Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, que nos fortifica espiritualmente com a sua promessa infalível: “Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12, 32).
Cristo é fonte de alegria e de esperança. A fé n’Ele transfigura a vida humana, enche-a de significado. Disto mesmo puderam convencer-se, por experiência própria, todos aqueles a quem é possível aplicar as palavras do apóstolo Pedro: “Vós que outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia” (1 Ped 2, 10).
30.       Cheios de gratidão pelo dom da compreensão recíproca manifestada durante o nosso encontro, levantamos os olhos agradecidos para a Santíssima Mãe de Deus, invocando-A com as palavras desta antiga oração: “Sob o abrigo da vossa misericórdia, nos refugiamos, Santa Mãe de Deus”. Que a bem-aventurada Virgem Maria, com a sua intercessão, encoraje à fraternidade aqueles que A veneram, para que, no tempo estabelecido por Deus, sejam reunidos em paz e harmonia num só povo de Deus para glória da Santíssima e indivisível Trindade!
Havana (Cuba), 12 de fevereiro de 2016.
Fonte: http://www.news.va/pt/news/papa-e-patriarca-russo-assinam-historica-declaraca