Paixões, desejos exacerbados, atitudes
desordenadas, teólogos refletem sobre os sete pecados capitais
Por André Bernardo
Quando o papa Gregório Magno instituiu,lá no século 6º, a lista "oficial" dos pecados capitais, não
imaginou que ela pudesse servir de fagulha criativa para tanta gente. Do poeta
italiano Dante Alighieri, que escreveu a obra-prima Divina comédia, ao pintor
holandês Hieronymus Bosch, que imortalizou o quadro Os sete pecados capitais, o
número de artistas que buscaram inspiração nos principais vícios do coração
humano – orgulho, inveja, avareza, luxúria, ira, gula e preguiça – é
aparentemente incontável. Prova disso é que, 15 longos séculos depois, os sete
pecados capitais, quem diria!, ainda rendem assunto para filmes, como Se7en –
Os sete crimes capitais estrelado por Brad Pitt em 1995; sambas-enredos, como
Os sete pecados capitais escolhido pela Unidos do Viradouro em 2001, e até
telenovelas, como Sete pecados, escrita por Walcyr Carrasco em 2007.
Segundo o padre Jesus Hortal, doutor em Direito Canônico e ex-reitor da Pontifícia Universidade Católica de Janeiro (PUC-Rio), os sete pecados capitais são, na verdade, “paixões fundamentais do ser humano, que escaparam do quadro da racionalidade e que, por isso, se converteram em vícios”. E sintetiza: “São os instintos mais primordiais, de conservação e expansão da própria vida e da própria espécie”, afirma. Nesse aspecto, o pecado do orgulho corresponderia à autoestima, a avareza estaria apoiada no espírito da economia, a inveja ficaria em paralelo com o desejo de atingir sempre novas metas, e assim por diante. “Daí que se possa dizer que, em todos os chamados ‘pecados capitais’, dá para enxergar algum aspecto ‘bom’. Ao perderem, porém, o referencial da razão, essas paixões acabam se tornando prejudiciais ao próprio indivíduo e a todos aqueles que o rodeiam”, alerta padre Jesus Hortal.
“Atitudes pecaminosas” − Mas por que esses sete pecados são chamados de capitais? A resposta a essa pergunta se encontra no nº 1.866, do Compêndio Catecismo da Igreja Católica. “São chamados capitais porque geram outros pecados, outros vícios.” Explica-se. Em latim, caput quer dizer “raiz, cabeça”. “É um pecado que encabeça (daí a palavra ‘capital’) muitos outros pecados”, esclarece o frei Nilo Agostini, doutor em Teologia. “De acordo com a doutrina clássica, não são necessariamente pecados mortais, mas abrem a porta para um conjunto de atitudes pecaminosas que, com frequência, são ‘mortais’”, complementa padre Jesus Hortal. Sim, se os pecados capitais são sete, as “atitudes pecaminosas” a que se refere esse doutor em Direito Canônico chegam a 44. Traição, mentira, fraude, violência, perjúrio, desespero, rancor, malícia, desobediência e hipocrisia são “apenas” algumas delas.
A lista elaborada pelo papa Gregório Magno pode ter
sido a definitiva. Mas não foi a primeira. Antes dela, houve outras. Muitas
outras. A primeira que se tem notícia foi
feita por Evágrio Pôntico (345-397), ainda no
século 4º. Depois, vieram São
João Cassiano (360-435), São João Clímaco (525-606) e Santo Isidoro de Sevilha
(560-636). Segundo frei Nilo Agostini, tais listas eram apenas “parcialmente diversas
entre si”. Em linhas gerais, a principal diferença estava na acídia, pecado
que, por vezes, substituía a preguiça. Mas, aliás, o que vem a ser acídia? Quem
responde é o padre Jesus Hortal. “A literatura monástica apresentava a acídia,
também chamada de tristeza espiritual, como a tentação básica dos monges do
deserto”, explica. “Talvez hoje pudéssemos qualificar a acídia, do ponto de
vista psicológico, como depressão”, contextualiza o reitor da PUC-Rio.
Desejos exacerbados − Se o padre Jesus Hortal classificou os sete pecados capitais como “paixões fundamentais”, frei Nilo Agostini prefere categorizá-los como “desejos exacerbados”. Nesse sentido, a avareza seria o desejo exacerbado de bens materiais e de conforto, a gula não passaria do desejo exagerado da boa comida, do álcool e das várias drogas, a luxúria poderia ser entendida como o exercício descontrolado da sexualidade, e o orgulho como o instinto de agressividade através da pretensão do todo poder. Já a ira seria a violência desordenada contra o próximo, e a preguiça, a falta de interesse em sair do marasmo espiritual. Mesmo constando entre os sete pecados, o orgulho (ou soberba) costuma ser apresentado não só como o mais importante entre eles, mas o início de todo pecado. “São Gregório Magno nomeia a soberba a mãe e a rainha de todos os vícios”, acrescenta frei Nilo.
Na opinião do escritor João Baptista Herkenhoff, a essência dos sete pecados capitais permanece viva. Mas deve se adequar às características da nossa época. Autor do livro Os novos pecados capitais, ele afirma que os sete pecados capitais clássicos constituem o fundamento dos sete pecados capitais modernos. Apenas mudaram de nome. O materialismo é a versão moderna da avareza, o individualismo é a nova face da
preguiça, a fome de lucro sem limites sucedeu a
gula, o consumismo é a luxúria do mundo capitalista, o imperialismo político e
econômico é a manifestação atual do orgulho, a corrida armamentista é a máscara
da velha ira e a inveja é alimentada pela ostentação da
riqueza. “Não digo que os pecados capitais se tornaram anacrônicos, mas eles
assumiram uma dimensão social. O bom intérprete deve estar atento à mudança de
cenário”, pondera o autor.
No meio de tantos vícios e pecados, uma pergunta não quer calar: e as virtudes
capitais, por onde andam? Que fim levaram a humildade, a generosidade, a
caridade, a mansidão, a castidade, a temperança e a diligência? Organizadora
dos livros Pecados e virtudes, em parceria com Eliana Yunes, Maria Clara
Lucchetti Bingemer, doutora em Teologia, explica que, ao contrário do pecado, a
virtude talvez atraia menos a atenção e a curiosidade de tantos por ser mais
rara. A virtude, segundo ela, não está
disponível em cada esquina,
oferecendo-se para quem passar. “Para descobri-la, é preciso escavar o solo,
como quem busca uma pepita de ouro ou uma pérola valiosa, como diz o Evangelho
de São Mateus. É preciso dar-se tempo e trabalho para encontrar esse artigo
cada vez mais raro em nossos dias”, alerta a teóloga, antes de concluir: “Se
tanto mais raras são, mais necessárias se asseveram”.
Fonte: Familia Cristã, ed. 928 - abril de 2013
http://www.paulinas.org.br/familia-crista/pt-br/?system=news&action=read&id=9263
Postado por: Família Cristã
Data de publicação: 25/02/2015