quinta-feira, 25 de agosto de 2016

MORAL CRISTÃ E SEUS FUNDAMENTOS: EDUCAR EM TEMPO DE MUDANÇAS. 15° LIVRO DE MINHA AUTORIA

Moral cristã e seus fundamentos: Educar em tempo de mudanças é o título da mais nova publicação de minha autoria, publicada pela Editora Vozes. Este livro está sendo lançado em diversos eventos, entre os quais no 40° Congresso Brasileiro de Teologia Moral, nos dias 29 de agosto a 1 de setembro de 2016, em São Paulo.
Nesta obra, busco identificar a riqueza que brota de nossas raízes cristãs e busca partilhá-la com todos que, em meio a este tempo de mudanças, procuram respostas para fazer face aos desafios atuais. Trata-se de uma busca comum, num diálogo permanente, a partir de nossa identidade, a fim de colaborar com a humanidade na tarefa educativa. Cabe-nos ter coragem e esperança, atraídos pela proposta de Jesus Cristo, no itinerário percorrido pela Igreja Católica, sobretudo após o Concílio Vaticano II.

Sabemos que o atual contexto histórico-social passa por grandes transformações. Enquanto pessoas de fé, nossa missão de cristãos é a de acompanhar atentamente as mudanças em curso e buscar respostas à altura dos desafios de nosso tempo. Isto requer uma educação que forme sujeitos éticos, capazes de identificar os engajamentos morais, tendo a coragem de assumi-los na vida, quer pessoal, quer social.

“Desde o tempo do Concílio, o contexto histórico-social mudou muito no plano da visão do mundo, mas também em termos de conceitos ético-políticos. A década de 1960 foi um período de espera confiante, graças à convocação do Concílio, mas graças também a uma maior distensão na relação entre os Estados. O cenário mudou profundamente em relação ao passado. Evidenciou-se um forte impulso à secularização. O processo de globalização cada vez mais acentuado, ao invés de favorecer a promoção do desenvolvimento das pessoas e uma maior integração entre os povos, parece limitar a liberdade dos indivíduos e afunilar os contrastes entre os vários modos de conceber a vida pessoal e coletiva (com posições oscilantes entre o mais rígido fundamentalismo e o mais céptico relativismo)”[1].

            Diante destes e tantos outros desafios, podemos reagir de diferentes formas. Uma é aquela reação, descrita pelo Papa Francisco, de nos “entrincheirarmos em nosso pequeno mundo”[2], numa posição de defesa, quando não é de combate, fechados em nossas pequenas fortificações. Outra postura é aquela que assume a tarefa de “uma grande reflexão crítica e um empenho de relançar a identidade, em termos propositivos e novos”[3].

Inseridos nas realidades de nosso tempo, não negamos os valores da modernidade, nem os anseios da pós-modernidade; nós também participamos de suas conquistas científicas, democráticas e sociais, bem como de seus sonhos e desejo de realização. Porém, estamos conscientes de que estas conquistas se encontram num quadro ainda incompleto. Propomo-nos, como cristãos, oferecer de nossa riqueza para que as pessoas, as famílias, as comunidades e as sociedades possam se desenvolver mais integralmente, conscientes de que somos um dom de Deus à serviço da humanidade.

            Ao buscar a riqueza que brota de nossas raízes cristãs e católicas, aponto para o diálogo a ser travado na contemporaneidade, não bastando nos refugiar no passado; é necessário nos mobilizar a partir de nossa identidade, de nossa riqueza e colocarmo-nos em missão, a fim de colaborar com a humanidade, num empenho comum.

            Nós temos ainda muito a aprender. Longe de termos esgotado o que brota de nossas raízes cristãs, cabe-nos ter fôlego, coragem e esperança, para deixar-nos surpreender pela presença de Deus que, no Seu Espírito, nos chama “a elaborar novas respostas para os problemas novos do mundo atual”[4]. Sabemos que “o Espírito sabe dar as respostas apropriadas mesmo às questões mais difíceis”[5]. Tudo está atravessado pelo desígnio de Deus e banhado por seu Amor.

            Por outro lado, deixemos ressoar as palavras do Papa Francisco: “Este é o momento favorável para mudar de vida! Este é o tempo de se deixar tocar o coração”[6]. Coloquemo-nos todos num movimento de conversão atraídos pelo amor misericordioso de Deus. O amor não é uma palavra abstrata. Deve atravessar nossa vida concreta e informar nossas intenções, atitudes e comportamentos no dia-a-dia, devendo estar permeado pela misericórdia; é Deus Pai orientando o nosso agir. “A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo”[7].

            Isto é fundamentalmente um ato de educar, como itinerário pessoal e comunitário a ser percorrido durante toda a nossa vida. A educação tem um lugar central em nossos dias à medida que assume o compromisso de “encontrar alternativas históricas capazes de assegurar a emancipação de todos, tornando-os sujeitos da história”[8], capazes de uma autorreflexão crítica e de uma “autonomia para organizar os modos de existência e a responsabilidade pela direção de suas ações”.[9] “Essa característica do ser humano constitui o fundamento da formação do sujeito ético. Este deve ser o objetivo fundamental da Educação”[10].

            A moral cristã participa deste itinerário educativo, levando ao “discernimento da vontade de Deus em vista da ação concreta”[11]. O desenvolvimento ético e moral das pessoas encontra na fonte cristã da moral uma fundamentação que auxilia na formação humana integral e capacita para o discernimento, enraizado no seguimento de Jesus Cristo. “Seguir Jesus Cristo é o fundamento essencial e original da moral cristã”[12]. “A fé possui... um conteúdo moral: dá origem e exige um compromisso coerente de vida... Através da vida moral, a fé torna-se ‘confissão’ não só perante Deus, mas também diante dos homens: faz-se testemunho”[13].

Frei Nilo Agostini, ofm



[1] CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Educar hoje e amanhã: Uma paixão que se renova (Instrumentum laboris). Vaticano, 2014, p. 5.
[2] PAPA FRANCISCO. Apud SCUOLA DI ALTA FORMAZIONE EDUCARE ALL’INCONTRO E ALLA SOLIDARIETÀ (EIS – LUMSA). Educare oggi e domani: Una passione che si rinova. Sfide, strategie e prospettive dalle risposte al questionario dell’Instrumentum laboris. Roma: Congregazione per l’Educazione Cattolica, 2014, p. 7.
[3] Ibidem, p. 7.
[4] JOÃO PAULO II. Exortação apostólica Vita Consecrata. Petrópolis: Vozes, 1996, n. 73.
[5] Ibidem.
[6] PAPA FRANCISCO. O rosto da misericórdia. Bula de Proclamação do Jubileu extraordinário da misericórdia. São Paulo: Paulinas, 2015, n. 19.
[7] Ibidem, n. 10.
[8] SEVERINO, A. J. A busca de sentido da formação humana: tarefa da filosofia da Educação.  Educação e Pesquisa, 3 (2006), p. 632.
[9] RODRIGUES, N. Educação: Da formação humana à construção do sujeito ético. Educação & Sociedade, 22 (2001) p. 232.
[10] Ibidem.
[11] Cf. GIBELLINI, R. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola,1998, p. 111. Rosino Gibellini segue, na citação destacada, o pensamento de Dietrich Bonhoeffer.
[12] JOÃO PAULO II. Carta encíclica Veritatis Splendor. Petrópolis: Vozes, 1993, n. 19.
[13] Ibidem, n. 89.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

EDUCAR PARA A TOLERÂNCIA

Texto de minha autoria na Revista Horizontes da Universidade São Francisco (USF), v. 34, n. 1 (2016).


Título:

Educar para a tolerância na experiência da alteridade: a anterioridade do Outro que me interpela.

Nilo Agostini 




Acesse o link:


https://revistahorizontes.usf.edu.br/horizontes/article/view/343/124 

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO NA MISSA CONCLUSIVA DA JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE EM CRACÓVIA – texto integral

Queridos jovens, viestes a Cracóvia para encontrar Jesus. E o Evangelho de hoje fala-nos precisamente do encontro entre Jesus e um homem, Zaqueu, em Jericó (cf. Lc 19, 1-10). Aqui, Jesus não Se limita a pregar ou a saudar alguém, mas quer – diz o Evangelista – atravessar a cidade (cf. v. 1). Por outras palavras, Jesus deseja aproximar-Se da vida de cada um, percorrer o nosso caminho até ao fim, para que a sua vida e a nossa se encontrem verdadeiramente.
E assim acontece o encontro mais surpreendente, o encontro com Zaqueu, o chefe dos «publicanos», isto é, dos cobradores de impostos. Zaqueu era, pois, um rico colaborador dos odiados ocupantes romanos; era um explorador do seu povo, alguém que, pela sua má reputação, não podia sequer aproximar-se do Mestre. Mas o encontro com Jesus muda a sua vida, como sucedeu ou pode sucede cada dia com cada um de nós. Entretanto Zaqueu teve de enfrentar alguns obstáculos para encontrar Jesus: pelo menos três, que podem dizer algo também a nós.
O primeiro é a baixa estatura: Zaqueu não conseguia ver o Mestre, porque era pequeno. Também hoje podemos correr o risco de ficar à distância de Jesus, porque não nos sentimos à altura, porque temos uma baixa opinião de nós mesmos. Esta é uma grande tentação, que não tem a ver apenas com a autoestima, mas toca também a fé. Porque a fé diz-nos que somos «filhos de Deus; e, realmente, o somos» (1 Jo 3, 1): fomos criados à sua imagem; Jesus assumiu a nossa humanidade, e o seu coração não se afastará jamais de nós; o Espírito Santo deseja habitar em nós; somos chamados à alegria eterna com Deus. Esta é a nossa «estatura», esta é a nossa identidade espiritual: somos os filhos amados de Deus, sempre. Compreendeis então que não aceitar-se, viver descontentes e pensar de modo negativo significa não reconhecer a nossa identidade mais verdadeira? É como voltar-se para o outro lado enquanto Deus quer pousar o seu olhar sobre mim, é querer apagar o sonho que Ele tem para mim. Deus ama-nos assim como somos, e nenhum pecado, defeito ou erro Lhe fará mudar de ideia. Para Jesus – assim no-lo mostra o Evangelho –, ninguém é inferior e distante, ninguém é insignificante, mas todos somos prediletos e importantes: tu és importante! E Deus conta contigo por aquilo que és, não pelo que tens: a seus olhos, não vale mesmo nada a roupa que vestes ou o telemóvel que usas; não Lhe importa se andas na moda ou não, importas-Lhe tu. A seus olhos, tu vales; e o teu valor é inestimável.
Quando acontece na vida diminuirmo-nos em vez de nos enobrecermos, pode ajudar-nos esta grande verdade: Deus é fiel em amar-nos, até mesmo obstinado. Ajudar-nos-á pensar que Ele nos ama mais do que nos amamos nós mesmos, que crê em nós mais de quanto acreditamos nós mesmos, que sempre nos apoia como o mais irredutível dos nossos fãs. Sempre nos aguarda com esperança, mesmo quando nos fechamos nas nossas tristezas e dores, remoendo continuamente as injustiças recebidas e o passado. Mas, afeiçoar-nos à tristeza, não é digno da nossa estatura espiritual. Antes pelo contrário; é um vírus que infecta e bloqueia tudo, que fecha todas as portas, que impede de reiniciar a vida, de recomeçar. Deus, por seu lado, é obstinadamente esperançoso: sempre acredita que podemos levantar-nos e não Se resigna a ver-nos apagados e sem alegria. Porque somos sempre os seus filhos amados. Lembremo-nos disto, no início de cada dia. Far-nos-á bem dizê-lo na oração, todas as manhãs: «Senhor, agradeço-Vos porque me amais; fazei-me enamorar da minha vida». Não dos meus defeitos, que hão de ser corrigidos, mas da vida, que é um grande dom: é o tempo para amar e ser amado.
Zaqueu tinha um segundo obstáculo no caminho do encontro com Jesus: a vergonha paralisadora. Podemos imaginar o que se passou no coração de Zaqueu antes de subir àquele sicómoro: terá havido uma grande luta; por um lado, uma curiosidade boa, a de conhecer Jesus; por outro, o risco de fazer triste figura. Zaqueu era uma figura pública; sabia que, tentando subir à árvore, se faria ridículo aos olhos de todos: ele, um líder, um homem de poder. Mas superou a vergonha, porque a atração de Jesus era mais forte. Tereis já experimentado o que acontece quando uma pessoa se nos torna tão fascinante que nos enamoramos: então pode suceder fazermos voluntariamente coisas que de outro modo nunca teríamos feito. Algo semelhante aconteceu no coração de Zaqueu, quando sentiu que Jesus era tão importante que, por Ele, estava pronto a tudo, porque Ele era o único que poderia retirá-lo das areias movediças do pecado e da infelicidade. E assim a vergonha que paralisa não levou a melhor: Zaqueu – diz o Evangelho – «correndo à frente, subiu» e depois, quando Jesus o chamou, «desceu imediatamente» (vv 4.6). Arriscou e colocou-se em jogo. Aqui está também para nós o segredo da alegria: não apagar a boa curiosidade, mas colocar-se em jogo, porque a vida não se deve fechar numa gaveta. Perante Jesus, não se pode ficar sentado à espera de braços cruzados; a Ele que nos dá a vida, não se pode responder com um pensamento ou com uma simples «mensagem».
Queridos jovens, não vos envergonheis de Lhe levar tudo, especialmente as fraquezas, as fadigas e os pecados na Confissão: Ele saberá surpreender-vos com o seu perdão e a sua paz. Não tenhais medo de Lhe dizer «sim» com todo o entusiasmo do coração, de Lhe responder generosamente, de O seguir. Não vos deixeis anestesiar a alma, mas apostai no amor formoso, que requer também a renúncia, e um «não» forte ao doping do sucesso a todo o custo e à droga de pensar só em si mesmo e nas próprias comodidades.
Depois da baixa estatura e da vergonha incapacitante, houve um terceiro obstáculo que Zaqueu teve de enfrentar, não dentro de si mesmo, mas ao seu redor. É a multidão murmuradora, que primeiro o bloqueou e depois criticou-o: Jesus não devia entrar na casa dele, na casa dum pecador. Como é difícil acolher verdadeiramente Jesus! Como é árduo aceitar um «Deus, rico em misericórdia» (Ef 2, 4)! Poderão obstaculizar-vos, procurando fazer-vos crer que Deus é distante, rígido e pouco sensível, bom com os bons e mau com os maus. Ao contrário, o nosso Pai «faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5, 45) e convida-nos a uma verdadeira coragem: ser mais fortes do que o mal amando a todos, incluindo os inimigos. Poderão rir-se de vós, porque acreditais na força mansa e humilde da misericórdia. Não tenhais medo, mas pensai nas palavras destes dias: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7). Poderão considerar-vos sonhadores, porque acreditais numa humanidade nova, que não aceita o ódio entre os povos, não vê as fronteiras dos países como barreiras e guarda as suas próprias tradições, sem egoísmos nem ressentimentos. Não desanimeis! Com o vosso sorriso e os vossos braços abertos, pregais esperança e sois uma bênção para a única família humana, que aqui tão bem representais.
Naquele dia, a multidão julgou Zaqueu, mediu-o de cima a baixo; mas Jesus fez o contrário: levantou o olhar para ele (v. 5). O olhar de Jesus ultrapassa os defeitos e vê a pessoa; não se detém no mal do passado, mas entrevê o bem no futuro; não se resigna perante os fechamentos, mas procura o caminho da unidade e da comunhão; único no meio de todos, não se detém nas aparências, mas vê o coração. Com este olhar de Jesus, vós podeis fazer crescer outra humanidade, sem esperar louvores, mas buscando o bem por si mesmo, felizes por conservar o coração limpo e lutar pacificamente pela honestidade e a justiça. Não vos detenhais à superfície das coisas e desconfiai das liturgias mundanas do aparecer, da maquilhagem da alma para parecer melhor. Em vez disso, instalai bem a conexão mais estável: a de um coração que vê e transmite o bem sem se cansar. E aquela alegria que gratuitamente recebestes de Deus, gratuitamente dai-a (cf. Mt 10, 8), porque muitos esperam por ela.
Ouçamos, por fim, as palavras de Jesus a Zaqueu, que parecem ditas de propósito para nós hoje: «Desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa» (v. 5). Jesus dirige-te o mesmo convite: «Hoje tenho de ficar em tua casa». A JMJ – poderíamos dizer – começa hoje e continua amanhã, em casa, porque é lá que Jesus te quer encontrar a partir de agora. O Senhor não quer ficar apenas nesta bela cidade ou em belas recordações, mas deseja ir a tua casa, habitar a tua vida de cada dia: o estudo e os primeiros anos de trabalho, as amizades e os afetos, os projetos e os sonhos. Como Lhe agrada que tudo isto seja levado a Ele na oração! Como espera que, entre todos os contactos e os chat de cada dia, esteja em primeiro lugar o fio de ouro da oração! Como deseja que a sua Palavra fale a cada uma das tuas jornadas, que o seu Evangelho se torne teu e seja o teu «navegador» nas estradas da vida!
Ao pedir para ir a tua casa, Jesus – como fez com Zaqueu – chama-te por nome. O teu nome é precioso para Ele. O nome de Zaqueu evocava, na linguagem da época, a recordação de Deus. Fiai-vos na recordação de Deus: a sua memória não é um «disco rígido» que grava e armazena todos os nossos dados, mas um coração terno e rico de compaixão, que se alegra em eliminar definitivamente todos os nossos vestígios de mal. Tentemos, também nós agora, imitar a memória fiel de Deus e guardar o bem que recebemos nestes dias. Em silêncio, façamos memória deste encontro, guardemos a recordação da presença de Deus e da sua Palavra, reavivemos em nós a voz de Jesus que nos chama por nome. Assim rezemos em silêncio, fazendo memória, agradecendo ao Senhor que aqui nos quis e encontrou.
Fonte: http://pt.radiovaticana.va/news/2016/07/31/homilia_do_papa_na_missa_conclusiva_das_jmj_%E2%80%93_texto_integral/1248269