Foto: Igor Fernandes
O Master
evangelização recebeu de braços abertos Frei Nilo Agostini, OFM, que lecionou a
disciplina “Franciscanismo e Evangelização”.
Nilo é
doutor em Teologia, professor do ITF e da USF, pesquisador, escritor e
conferencista na área da Ética Cristã ou Teologia Moral.
Nessa
Entrevista ele nos conta sobre a evangelização na América Latina, a vocação
franciscana, sua experiência como redator da Revista Grande Sinal, e fala também sobre
o Master. Confira!
Os Frades
Menores foram protagonistas da evangelização da América Latina, dedicando-se a
uma evangelização integral: o anúncio da Palavra de Deus acompanhado pelo
cuidado do corpo e da vida. O senhor acha que os frades ainda se destacam no
cenário latino-americano, no campo missionário?
Fica
claro, como bem se expressou o documento final do Congresso Missionário OFM da
América Latina, em Córdoba, de 2008, que os frades franciscanos foram “protagonistas
na evangelização da América Latina, esmerando-se desde o início para que os
missionários viessem bem preparados e como verdadeiros ‘apóstolos’, numa
presença pacífica, o que contrastava com o projeto dos conquistadores”.
Hoje, os
frades se destacam por sua presença, conscientes da necessidade de “ouvir tanto
o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS, 49), como afirma a “Carta de
Aparecida” do Capítulo das Esteira ali celebrado. Isto se faz seguindo o
apelo de retomar a evangelização como “razão de ser da Ordem”, feita pelo Papa
João Paulo II já no Capítulo de San Diego (1991); a partir de então, a
evangelização passa a ser retomada como eixo central que define o modo próprio
de ser da Ordem no mundo de hoje. Isto está muito bem expresso no documento
“Encher a terra com o Evangelho de Cristo”, do ex-ministro geral Frei Hermann
Schalück, texto no qual pude contribuir na redação final. Certamente, isto faz
com que os frades se destaquem na missão de evangelizar, antes de tudo pelo
testemunho da vida fraterna e, em seguida, pela proclamação da palavra. A
fraternidade torna-se a realidade primeira e o lugar privilegiado onde vivemos
a nossa forma evangélica de vida, constituindo uma “fraternidade
evangelizadora” e, a partir dela, vivendo e anunciando o Evangelho no
seguimento de Jesus Cristo.
Como o
senhor vê a evangelização no Brasil, hoje? Quais os maiores desafios a serem
enfrentados?
A Igreja
Católica no Brasil distingue-se, nas últimas décadas, por “uma nova tomada de
consciência da missão que Cristo confiou à Igreja: a evangelização” (XXXVII
Assembleia Geral, Diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil –
1999-2001, n. 10). Nós franciscanos, especialmente a OFM, partilhamos com a
Igreja no Brasil a consciência de que a evangelização é o eixo central que
perpassa toda a vida da Igreja e sua missão, como fruto do amadurecimento
vivenciado nas últimas décadas, resultado de uma renovação empreendida a partir
e em torno do Concílio Vaticano II. Permanecem, no entanto, dois desafios: 1. Necessitamos
sempre de novo reavivar a memória da missão evangelizadora que nos foi
confiada, pois como Igreja a nossa vocação não é outra senão evangelizar; 2.
Com realismo, precisamos saber ler os sinais dos tempos, ou seja, as
interpelações que Deus nos faz em meio aos acontecimentos e as realidades deste
tempo, o que nos chama a responder à altura os desafios que se apresentam, com
novas expressões e novos caminhos, sempre que necessário, para que a missão de
encarnar o Evangelho tenha em conta as realidades culturais e sociais de nosso
tempo.
A missão
está no coração da vocação franciscana e desde o descobrimento do Brasil, os
frades desempenharam um papel importante nesse setor. Hoje em dia, como os
franciscanos têm marcado presença nessa área?
Os frades
se fazem presente sendo testemunhas de Deus, inicialmente pela vida em
fraternidade, desmascarando os “falsos deuses” desta época… É uma presença
profético-crítica, atentos ao Espírito do Senhor e ao seu santo modo de operar.
Este testemunho de vida, mais cedo ou mais tarde, precisa igualmente ser
proclamado pela palavra para que o Evangelho de Jesus Cristo seja integralmente
anunciado. Neste anúncio, os frades distinguem-se pela consciência da
necessidade de uma presença inculturada, aberta à missão ad gentes, tendo claro a opção pelos pobres e o
cultivo da justiça, a paz e a integridade da criação. Esmeram-se igualmente os
frades no cultivo de uma atitude ecumênica e na promoção do diálogo
inter-religioso, sem receio de fazerem-se presentes nos novos areópagos. Vejo
também o cuidado de não soçobrar diante das estruturas para que não se perca a
força profética e evangélica de nossa presença, de nosso carisma, bem como o
cuidado de promover a solidariedade em meio a um crescente individualismo. Para
isso, faz-se necessário que nossa formação esteja toda perpassada pela
evangelização com estas características.
Qual a
contribuição que o Master em Evangelização pode dar àqueles
que participam do curso.
O Master em Evangelização é um meio eficaz
para que se aprofunde a nossa missão evangelizadora, assumindo-a realmente como
eixo central de nossa vida em cada fraternidade. Importa permear nossas
fraternidades locais e provinciais da consciência de que todos os irmãos,
leigos ou clérigos, em igual grau de pertença e forma evangélica de vida, fazem
parte da fraternidade evangelizadora. Em meio à multiplicidade de abordagens
deste curso, cabe a cada participante elaborar sua síntese e partilhar com os
irmãos e/ou entidades de origem a riqueza que consegue colher. Como professor
deste Master, senti que este é um
momento de graça! Cabe vivenciá-lo em toda a sua riqueza.
O senhor
foi redator de Grande Sinal: revista de
espiritualidade, editada pelo Instituto Teológico Franciscano.
Poderia contar um pouco de sua experiência nesse âmbito? Há algum fato que o
tenha marcado de maneira especial?
Nos 11
anos em que fui redator da Revista de Espiritualidade Grande Sinal, tornamos
claro que o cuidado editorial da Revista, bem como da REB e da Sedoc, eram obra
do Instituto Teológico Franciscano, cabendo à Editora Vozes a sua impressão e
comercialização. Nestas revistas, cabia estampar a marca do Instituto. No
tocante à Grande Sinal, tivemos o
cuidado de veicular não somente a espiritualidade dos Religiosas ou da Vida
Consagrada, mas a espiritualidade de todo cristão, de maneira aberta. É bom
notar que em sua origem a Revista nasceu para as Religiosas, com o nome de Sponsa Christi. Nos anos de Redator,
organizamos o Conselho Editorial e o Conselho Consultivo, sendo que o primeiro
foi muito ativo na programação e concepção deste periódico e o segundo
propiciou uma percepção da revista a partir de diferentes ambientes e visões.
Foi um trabalho altamente enriquecedor.
A
espiritualidade pode, de alguma forma, auxiliar no trabalho missionário?
A
espiritualidade não só pode auxiliar no trabalho missionário, mas ela é
imprescindível. Nós vivemos a missão de evangelizar como itinerantes
contemplativos. Antes de tudo, deve nos mover uma espiritualidade da comunhão,
primeiro entre os irmãos da fraternidade e, logo em seguida, na comunidade
eclesial, irradiando o que brota de nossas raízes. A fraternidade torna-se uma
“escola de amor”, sobretudo num contexto de individualismo exacerbado. A nossa
realização passa pela vida em fraternidade. A espiritualidade que nos anima em
fraternidade é, por sua vez, profundamente arraigada em Jesus Cristo e seu
Evangelho, residindo aí a nossa razão de ser. Entendemos que Francisco, ao
ouvir a leitura da passagem do Evangelho, onde se fala do envio dos apóstolos
para a missão, tenha exclamado: “É isso que eu quero, isso que procuro, é isso
que eu desejo fazer de todo o coração” (1Cel 22). As palavras do Evangelho
transformam-se para Francisco em palavras do Espírito Santo, que são “espírito
e vida” (cf. 2CFi 3; Adm 7,4; Test 13). Como fraternidade de menores, assumimos
a vida de pobreza, escolhemos a condição dos pequenos, numa “entrega total ao
Senhor” (cf. LegM, Milagres, X, 8). Cabe deixar-nos conduzir pelo Espirito
Santo; Ele é o mistagogo do itinerário espiritual de cada pessoa, nos levando a
beber da fonte trinitária. Para São Francisco, a Ordem só tinha um Ministro
Geral, que é o Espírito Santo.
Conte-nos
um pouco sobre o livro que lançou, recentemente.
Este
livro leva-nos ao conhecimento e aprofundamento dos fundamentos da Moral cristã
segundo a experiência percorrida e vivenciada pela Igreja Católica, sobretudo
após o Concílio Vaticano II. Temos como pano de fundo o contexto de mudanças e
de crise de nossos dias, bem como a chance de responder à altura aos desafios
de nosso tempo. Ao buscar a riqueza que brota de nossas raízes, somos levados a
partilhá-la, oferecendo-a a todos que, em meio a este tempo de mudanças, buscam
iluminação, segurança, respostas para fazer face aos novos desafios. Isto se dá
em meio a um diálogo a ser travado na contemporaneidade. Porém, não basta
refugiar-se no passado; é necessário nos mobilizar a partir de nossa
identidade, de nossa riqueza e colocarmo-nos em missão, a fim de colaborar com
a humanidade, num empenho comum.
Com este
livro, não temos a pretensão de esgotar o que brota de nossas raízes cristãs.
Antes, cabe-nos ter fôlego, coragem e esperança, para deixar-nos surpreender
pela presença de Deus que, no Seu Espírito, nos chama “a elaborar novas
respostas para os problemas novos do mundo atual” (JOÃO PAULO II. Exortação
apostólica Vita Consecrata, n. 73).
Sabemos que “o Espírito sabe dar as respostas apropriadas mesmo às questões
mais difíceis” (Ibidem, 73). Tudo está
atravessado pelo desígnio de Deus e banhado por seu Amor.
*Frei
Nilo Agostini, ofm
*Frade da
Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, Doutor em Teologia pela
Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg, França. Docente no Curso de
Pós-graduação Stricto Sensu em
Educação na USF (Universidade São Francisco). Reitor do ITF nos anos de 1991 a
1996.
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