quinta-feira, 24 de agosto de 2017

FRANCISCANISMO E EVANGELIZAÇÃO, COM FREI NILO


Foto: Igor Fernandes



O Master evangelização recebeu de braços abertos Frei Nilo Agostini, OFM, que lecionou a disciplina “Franciscanismo e Evangelização”.

Nilo é doutor em Teologia, professor do ITF e da USF, pesquisador, escritor e conferencista na área da Ética Cristã ou Teologia Moral.

Nessa Entrevista ele nos conta sobre a evangelização na América Latina, a vocação franciscana, sua experiência como redator da Revista Grande Sinal, e fala também sobre o MasterConfira!

Os Frades Menores foram protagonistas da evangelização da América Latina, dedicando-se a uma evangelização integral: o anúncio da Palavra de Deus acompanhado pelo cuidado do corpo e da vida. O senhor acha que os frades ainda se destacam no cenário latino-americano, no campo missionário?
Fica claro, como bem se expressou o documento final do Congresso Missionário OFM da América Latina, em Córdoba, de 2008, que os frades franciscanos foram “protagonistas na evangelização da América Latina, esmerando-se desde o início para que os missionários viessem bem preparados e como verdadeiros ‘apóstolos’, numa presença pacífica, o que contrastava com o projeto dos conquistadores”.
Hoje, os frades se destacam por sua presença, conscientes da necessidade de “ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS, 49), como afirma a “Carta de Aparecida” do Capítulo das Esteira ali celebrado.  Isto se faz seguindo o apelo de retomar a evangelização como “razão de ser da Ordem”, feita pelo Papa João Paulo II já no Capítulo de San Diego (1991); a partir de então, a evangelização passa a ser retomada como eixo central que define o modo próprio de ser da Ordem no mundo de hoje. Isto está muito bem expresso no documento “Encher a terra com o Evangelho de Cristo”, do ex-ministro geral Frei Hermann Schalück, texto no qual pude contribuir na redação final. Certamente, isto faz com que os frades se destaquem na missão de evangelizar, antes de tudo pelo testemunho da vida fraterna e, em seguida, pela proclamação da palavra. A fraternidade torna-se a realidade primeira e o lugar privilegiado onde vivemos a nossa forma evangélica de vida, constituindo uma “fraternidade evangelizadora” e, a partir dela, vivendo e anunciando o Evangelho no seguimento de Jesus Cristo.

Como o senhor vê a evangelização no Brasil, hoje? Quais os maiores desafios a serem enfrentados?
A Igreja Católica no Brasil distingue-se, nas últimas décadas, por “uma nova tomada de consciência da missão que Cristo confiou à Igreja: a evangelização” (XXXVII Assembleia Geral, Diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil – 1999-2001, n. 10). Nós franciscanos, especialmente a OFM, partilhamos com a Igreja no Brasil a consciência de que a evangelização é o eixo central que perpassa toda a vida da Igreja e sua missão, como fruto do amadurecimento vivenciado nas últimas décadas, resultado de uma renovação empreendida a partir e em torno do Concílio Vaticano II. Permanecem, no entanto, dois desafios: 1. Necessitamos sempre de novo reavivar a memória da missão evangelizadora que nos foi confiada, pois como Igreja a nossa vocação não é outra senão evangelizar; 2. Com realismo, precisamos saber ler os sinais dos tempos, ou seja, as interpelações que Deus nos faz em meio aos acontecimentos e as realidades deste tempo, o que nos chama a responder à altura os desafios que se apresentam, com novas expressões e novos caminhos, sempre que necessário, para que a missão de encarnar o Evangelho tenha em conta as realidades culturais e sociais de nosso tempo.

A missão está no coração da vocação franciscana e desde o descobrimento do Brasil, os frades desempenharam um papel importante nesse setor. Hoje em dia, como os franciscanos têm marcado presença nessa área?
Os frades se fazem presente sendo testemunhas de Deus, inicialmente pela vida em fraternidade, desmascarando os “falsos deuses” desta época… É uma presença profético-crítica, atentos ao Espírito do Senhor e ao seu santo modo de operar. Este testemunho de vida, mais cedo ou mais tarde, precisa igualmente ser proclamado pela palavra para que o Evangelho de Jesus Cristo seja integralmente anunciado. Neste anúncio, os frades distinguem-se pela consciência da necessidade de uma presença inculturada, aberta à missão ad gentes, tendo claro a opção pelos pobres e o cultivo da justiça, a paz e a integridade da criação. Esmeram-se igualmente os frades no cultivo de uma atitude ecumênica e na promoção do diálogo inter-religioso, sem receio de fazerem-se presentes nos novos areópagos. Vejo também o cuidado de não soçobrar diante das estruturas para que não se perca a força profética e evangélica de nossa presença, de nosso carisma, bem como o cuidado de promover a solidariedade em meio a um crescente individualismo. Para isso, faz-se necessário que nossa formação esteja toda perpassada pela evangelização com estas características.

Qual a contribuição que o Master em Evangelização pode dar àqueles que participam do curso.
Master em Evangelização é um meio eficaz para que se aprofunde a nossa missão evangelizadora, assumindo-a realmente como eixo central de nossa vida em cada fraternidade. Importa permear nossas fraternidades locais e provinciais da consciência de que todos os irmãos, leigos ou clérigos, em igual grau de pertença e forma evangélica de vida, fazem parte da fraternidade evangelizadora. Em meio à multiplicidade de abordagens deste curso, cabe a cada participante elaborar sua síntese e partilhar com os irmãos e/ou entidades de origem a riqueza que consegue colher. Como professor deste Master, senti que este é um momento de graça! Cabe vivenciá-lo em toda a sua riqueza.

O senhor foi redator de Grande Sinal: revista de espiritualidade, editada pelo Instituto Teológico Franciscano. Poderia contar um pouco de sua experiência nesse âmbito? Há algum fato que o tenha marcado de maneira especial?
Nos 11 anos em que fui redator da Revista de Espiritualidade Grande Sinal, tornamos claro que o cuidado editorial da Revista, bem como da REB e da Sedoc, eram obra do Instituto Teológico Franciscano, cabendo à Editora Vozes a sua impressão e comercialização. Nestas revistas, cabia estampar a marca do Instituto. No tocante à Grande Sinal, tivemos o cuidado de veicular não somente a espiritualidade dos Religiosas ou da Vida Consagrada, mas a espiritualidade de todo cristão, de maneira aberta. É bom notar que em sua origem a Revista nasceu para as Religiosas, com o nome de Sponsa Christi. Nos anos de Redator, organizamos o Conselho Editorial e o Conselho Consultivo, sendo que o primeiro foi muito ativo na programação e concepção deste periódico e o segundo propiciou uma percepção da revista a partir de diferentes ambientes e visões. Foi um trabalho altamente enriquecedor.

A espiritualidade pode, de alguma forma, auxiliar no trabalho missionário?
A espiritualidade não só pode auxiliar no trabalho missionário, mas ela é imprescindível. Nós vivemos a missão de evangelizar como itinerantes contemplativos. Antes de tudo, deve nos mover uma espiritualidade da comunhão, primeiro entre os irmãos da fraternidade e, logo em seguida, na comunidade eclesial, irradiando o que brota de nossas raízes. A fraternidade torna-se uma “escola de amor”, sobretudo num contexto de individualismo exacerbado. A nossa realização passa pela vida em fraternidade. A espiritualidade que nos anima em fraternidade é, por sua vez, profundamente arraigada em Jesus Cristo e seu Evangelho, residindo aí a nossa razão de ser. Entendemos que Francisco, ao ouvir a leitura da passagem do Evangelho, onde se fala do envio dos apóstolos para a missão, tenha exclamado: “É isso que eu quero, isso que procuro, é isso que eu desejo fazer de todo o coração” (1Cel 22). As palavras do Evangelho transformam-se para Francisco em palavras do Espírito Santo, que são “espírito e vida” (cf. 2CFi 3; Adm 7,4; Test 13). Como fraternidade de menores, assumimos a vida de pobreza, escolhemos a condição dos pequenos, numa “entrega total ao Senhor” (cf. LegM, Milagres, X, 8). Cabe deixar-nos conduzir pelo Espirito Santo; Ele é o mistagogo do itinerário espiritual de cada pessoa, nos levando a beber da fonte trinitária. Para São Francisco, a Ordem só tinha um Ministro Geral, que é o Espírito Santo.

Conte-nos um pouco sobre o livro que lançou, recentemente.
Este livro leva-nos ao conhecimento e aprofundamento dos fundamentos da Moral cristã segundo a experiência percorrida e vivenciada pela Igreja Católica, sobretudo após o Concílio Vaticano II. Temos como pano de fundo o contexto de mudanças e de crise de nossos dias, bem como a chance de responder à altura aos desafios de nosso tempo. Ao buscar a riqueza que brota de nossas raízes, somos levados a partilhá-la, oferecendo-a a todos que, em meio a este tempo de mudanças, buscam iluminação, segurança, respostas para fazer face aos novos desafios. Isto se dá em meio a um diálogo a ser travado na contemporaneidade. Porém, não basta refugiar-se no passado; é necessário nos mobilizar a partir de nossa identidade, de nossa riqueza e colocarmo-nos em missão, a fim de colaborar com a humanidade, num empenho comum.
Com este livro, não temos a pretensão de esgotar o que brota de nossas raízes cristãs. Antes, cabe-nos ter fôlego, coragem e esperança, para deixar-nos surpreender pela presença de Deus que, no Seu Espírito, nos chama “a elaborar novas respostas para os problemas novos do mundo atual” (JOÃO PAULO II. Exortação apostólica Vita Consecrata, n. 73). Sabemos que “o Espírito sabe dar as respostas apropriadas mesmo às questões mais difíceis” (Ibidem, 73). Tudo está atravessado pelo desígnio de Deus e banhado por seu Amor.

*Frei Nilo Agostini, ofm

*Frade da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, Doutor em Teologia pela Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg, França. Docente no Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação na USF (Universidade São Francisco). Reitor do ITF nos anos de 1991 a 1996.

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