Introdução
Nos Evangelhos temos três retratos de
Maria que devemos trazer bem fixos na mente: O primeiro retrato nos mostra
que Maria era toda de Deus. Ela ouvia e meditava a Palavra de
Deus, procurando praticá-la. Para Maria Deus falava não só pela Bíblia, mas
também pelos fatos da vida. Ao ouvir e observar a Palavra de Deus, Maria
encontrava não só a sua felicidade e paz, mas também a causa de seu sofrimento.
Nem sempre entendia o que Deus pedia dela. Ela ouvia, meditava e guardava em
seu coração (cf. Lc 2,19)… Com razão o anjo lhe diz: “Não tenhas medo, Maria”(
Lc 1,30).
Em segundo lugar vemos Maria que era
toda do Povo. Atenciosa e preocupada com os outros. Visita Isabel para
ajudá-la. Ajuda na festa de casamento em Caná (Jo 2,1). Não abandona os amigos
no momento de perigo. Não abandonou Jesus na cruz (cf. Jo 19,25) e nem os
Apóstolos no Cenáculo (cf. At 1,14).
Em terceiro lugar ela reza com
os amigos. Ficou com os apóstolos rezando até o dia de Pentecostes.
Graças à oração de Maria feita junto aos apóstolos, o Espírito Santo desceu em
abundância para iniciar a missão da Igreja (cf. At 4,3,31). O segredo da força
de Maria era a oração. O cântico de Maria, o Magnificat (cf. Lc 1,46-55), nos
mostra muito bem que Maria conhecia os salmos e as Escrituras e orava
continuamente. Foi assim que o Espírito Santo veio e fez nascer Jesus e depois
a Igreja em Pentecostes. Maria possuía os dons do Espírito Santo que crescem
com a oração. (C. Mesters, A mãe de Jesus, Vozes,
Petrópolis, 1978, cap. II).
O sociólogo americano Andrew Greeley
afirma que Maria representa o “símbolo cultural mais poderoso e popular dos
últimos dois mil anos” do ocidente cristão”(cf. in I grandi
misteri dela fede. Um catechismo essenziale, Queriniana, Brescia,
1978, 13).
Vamos refletir um pouco sobre Maria que é para nós modelo de oração.
1.
A oração de Jesus e a oração de Maria
a ) Oração de Jesus
A oração e Jesus é constante e profunda. Ela nos introduz na vida de
intimidade de Jesus com Deus, a comunhão trinitária. Jesus causou impacto nos
discípulos quando perceberam a alegria de Jesus e a intensidade de seu colóquio
com o Pai (cf. Lc 11,1). Maria foi a primeira a perceber esta intensidade da
oração de Jesus, toda voltada para o Pai. Jesus é o grande orante do Evangelho.
Levantava de madrugada para rezar (cf. Mc 1,35), orava à tarde: tendo despedido
a multidão, subiu ao monte a sós para rezar (após multiplicar os pães, cf. Mt
14,23). Rezava de noite e antes de tomar grandes decisões como a escolha dos
doze apóstolos (cf. Mc 3,10; Lc 6,12).
Os momentos mais importantes e dramáticos da vida de Jesus são
acompanhados de oração: no batismo no Jordão (cf. Lc 3,21); antes da
transfiguração, reza pela fé de Pedro (cf. Lc 22,31-32), antes da ressurreição
de Lázaro (cf. Jo 11,41), reza na última Ceia (cf. Jn 17, 1-5), antes de sua
paixão (cf. Lc 22,39), no momento de sua morte (Lc 23,34). Mais que seguir os
horários prescritos para a oração no judaísmo, Jesus segue o ritmo do Reino de
Deus e seus acontecimentos. Não é um tempo cronológico, mas um tempo salvífico.
Jesus reza não só com palavras ou atitudes corporais (ajoelhar-se, p.
ex) mas Ele reza também com o silêncio e a contemplação. Mais que rezar em um
lugar ou conforme formulas pré-fabricadas, a oração de Jesus está ligada a uma
pessoa: o Pai, com o qual está em contínua comunhão. A última palavra do Jesus
terreno é uma oração feita ao Pai: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”(Lc
23,46).
b ) Oração de Maria
A oração de Maria, assim como a de Jesus é uma oração marcada pela
atitude constante de obediência ao Pai, porém através de Jesus, na sua
acolhida, marcada também pela contemplação e seguimento. A originalidade da
oração de Maria é a contemplação constante do mistério da Encarnação, de seu
divino filho Jesus.
Deus nunca tinha revelado seu rosto, ninguém jamais o viu, mas Jesus é a
imagem do Deus vivo (cf. Cl 1,15). A Maria se aplica por primeiro a
bem-aventurança que diz: “Felizes os olhos que veem o que vocês estão vendo”
(Lc 10,23). Maria começa a contemplar o rosto de Deus que se manifesta em um
menino do qual ela tem de cuidar e ao mesmo tempo adorar.
Mas o que significa aqui contemplar? É
um verbo composto (cum + Templum = estar no
Templo) significa habitar em um espaço divino. Maria tem nos braços o criador
do universo, por Ele foram feitas todas as coisas (Jo 1,3). A tradição oriental
vai chamar Maria de Platytera (mais ampla que os céus), porque
trouxe em seu seio e depois em seus braços aquele que criou o universo. Ao
acolher Jesus ela acolhe aquele que é eterno e ilimitado.
A tradição oriental representa Maria orante com os braços levantados
diante do trono de Jesus Cristo “Pantocrator”, aquele que tudo cria e governa.
Em outras representações ela é figurada tendo no peito um medalhão com a figura
do menino Jesus. Maria é a grande orante e intercessora do povo de Deus.
No evangelho de São João o conhecimento, a contemplação de Jesus, é a
vida eterna (cf. Jo 17,3). Contemplação é pois, o conhecimento amoroso de
Jesus. Esta foi a atitude constante de Maria para com seu filho Jesus. A
convivência com Jesus não eliminou a necessidade da fé em Maria, talvez tenha
aumentado mais ainda esta necessidade fazendo-a abandonar-se totalmente em
Deus.
Maria contempla Jesus na fé. Ela é a
primeira dos pequenos, aos quais Deus revela seus segredos ocultando-os aos
sábios e entendidos (cf. Mt 11,25). Ela é bem aventurada porque acreditou cada
dia em meio às provas e contrariedades da vida oculta de Nazaré. Maria
contempla também na “escuridão da visão” ou “noite escura da fé”. Estar perto
de Jesus não lhe dava o privilégio de saber o que iria acontecer com ele. Há
como que um véu que oculta o mistério revelado. Entre Maria e Jesus está este
véu que, ao mesmo tempo que revela, oculta o mistério. Maria vivia a intimidade
do mistério de seu Filho não em um conhecimento luminoso, mas na fé. Ela
realizou uma peregrinação na fé (cf. João Paulo II in RM 17).
Enfim Maria viveu sua contemplação de Jesus na fadiga da fé que foi mais
exigente para com ela.
Maria, ao mesmo tempo em que vivia na
fé, devia oferecer-se constantemente para caminhar mais intensamente e
profundamente em seu itinerário. Maria viveu a “obediência da fé” (Rm 16,26).
Dela fala o Concílio Vaticano II: “Crendo e obedecendo ela gerou na terra o
próprio filho do Pai…” (LG 63). “O nó da desobediência de Eva foi desatado pela
obediência de Maria; o que a Virgem Eva ligou pela incredulidade, a Virgem
Maria desligou pela fé” (Santo Irineu in Ad. Haer. III, 22,4,
PG 7, 959A).
Assim sendo, Maria acompanha a vida de
fé de todos os fiéis que desejam percorrer como ela percorreu o itinerário de
fé em Jesus. Ela é a primeira na fé. Jesus é a ponte que permite o contato com
Deus, Maria é a materna acompanhante que ajuda os fiéis neste itinerário de
atravessar esta ponte. Por isso ela pode ser chamada de Mãe da Igreja (cf.
Vaticano II – LG 53; Paulo VI Discurso em 1964, AAS 56 (1964) 1015). Por isso
se pode dizer com certeza: não se pode ser cristão se não for “mariano”, pois
Maria é o modelo de tudo aquilo que a Igreja e cada fiel de ser em relação a
Jesus. “Assim, aquela que está presente no mistério de Cristo como mãe,
torna-se – por vontade do Filho e por obra do Espírito Santo – presente no
mistério da Igreja. “E na Igreja continua a ser uma presença materna, como
indicam as palavras pronunciadas na cruz: Mulher, eis o teu filho; Eis tua
mãe”. (João Paulo II in RM 24; idem 45).
Vejamos agora as duas vertentes da oração de Maria que o Papa João Paulo
II nos aponta: a devocional (Rosário) e a sacramental (Eucaristia)
2.
O Rosário: caminho mariano para a contemplação de Jesus
O Rosário é o caminho mariano para a
comunhão com Jesus. Oração que se julgava destinada aos simples e iletrados,
revela-se no entanto uma oração com dignidade e elevado poder de contemplação
evangélica de Jesus em companhia de Maria. O Rosário é uma oração evangélica
centrada sobre o mistério da Encarnação redentora (cf. Paulo VI in Culto
à Virgem Maria n. 44 e 46).
No Rosário temos várias modalidades de relacionarmos com o mistério de
Cristo através de Maria. O Rosário é oração cristológica, porque, do começo ao
fim, nos fala e nos conduz a Jesus. Recordamos Cristo em companhia de Maria,
compreendemos Cristo desde Maria, entramos na “escola” de Maria, para
compreender Jesus seu filho. Nesta oração procuramos conformar-nos a Cristo com
Maria, ou seja ter os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Rom 13,14), suplicar a Cristo
com Maria. No Rosário ainda, anunciamos a Cristo com Maria.
Estas cinco etapas percorridas com Maria, mediante a oração do Rosário,
constitui um verdadeiro caminho de formação na autêntica oração cristã.
Redescobrindo o Rosário, verdeio compêndio evangélico, se valoriza um caminho
de progresso espiritual simples porém eficaz.
3.
Na escola de Maria, mulher eucarística
O Papa São João Paulo II propôs também
um caminho mariano até Jesus: o caminho sacramental da oração eucarística.
Assim como Igreja e Eucaristia formam um binômio inseparável, Maria e
Eucaristia também. Maria encaminha a Igreja para a Eucaristia. Maria é chamada
de Hadegetri, ou seja aquela que educa e acompanha os fiéis
para a contemplação de seu Filho Eucarístico e para a comunhão com Ele.
Quatro são as atitudes eucarístico-marianas que a Igreja inteira está
chamada a aprender, tendo a Maria como modelo e como ajuda materna eficaz.
a ) Atitude de fé: Há uma relação muito grande entre o sim de Maria ao
receber Jesus em seu seio e o sim dos fiéis ao comungarem, recebendo Jesus
eucarístico.
b ) Atitude de sacrifício: Maria viveu a dimensão sacrifical da
eucaristia desde a apresentação de Jesus no templo até sua morte na cruz. O
corpo oferecido em sacrifício é o mesmo corpo ao qual ela deu à luz o Filho de
Deus.
c ) Atitude de acolhida: é uma terceira atitude eucarístico-mariana, do
alto da cruz, Jesus nos deu Maria como mãe, e a atitude eucarística de acolher
o sacrifício da cruz implica também na atitude de acolher Maria.
d ) Atitude do Magnificat: canto de louvor e ação de graças. Quando
Maria exclama: “minha alma engrandece ao Senhor, meu espírito exulta em Deus,
meu Salvador”, leva Jesus em seu seio. Louva o Pai por Jesus, em Jesus e com
Jesus. Esta é precisamente a verdadeira atitude eucarística. No cântico de
Maria se revela também a índole escatológica da História que é também da
Eucaristia: Deus fará nova todas as coisas. A Eucaristia nos foi dada para que
nossa vida seja como a de Maria, toda ela um Magnificat.
Conclusão
Na pedagogia da oração a pessoa de fé
encontra em Maria um modelo exemplar. Ela nos ensina que a oração é encontro
com Jesus, é acolhida de Jesus em nossa vida, é deixar que Ele nos leve ao Pai.
Não podemos render graças a Deus sem associar-nos a Maria porque com ela começou
a economia da salvação (cf. P. Farhat in Oriens christianus 3
(1913) 19-21. Somos chamados pela Igreja não somente a rezar a Maria pedindo
sua intercessão mas muito mais a rezar com Maria.
“Cada comunidade formativa, dedicará um momento à devoção comunitária a
Nossa senhora nos meses de maio e outubro, a ela confiando-se filialmente como
Mãe educadora, meditando sua vida e aprendendo dela a total dedicação à própria
vocação como serviço a Deus e à humanidade. Serão valorizadas e incentivadas as
devoções populares…, a reza frequente do Terço e outras formas de devoção
Mariana” (Diocese de Santo André – Formação Presbiteral – Diretório Diocesano
(2017) n. 94).
Cristo é o único caminho para o Pai
(cf. Jo 14,4-11), porém a Igreja reconhece que a piedade e devoção à Virgem
Maria, subordinada e em conexão com a piedade ao Divino Salvador, tem grande
eficácia e força renovadora da comunidade cristã no seguimento de Jesus Cristo.
Portanto, aprendamos a orar com Maria, porque ela é a Virgem que se dedicou
sobremaneira à pratica da oração (cf. Paulo VI in Culto à
Virgem Maria n. 18).
27 de março – Terça-feira Santa 2018
27 de março – Terça-feira Santa 2018
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