Ferreira Gular tem razão de dizer
que para ele o assunto é complicado mesmo. Tenta se pronunciar sobre um assunto
amplo e importante e que não pode ser reduzido a meia dúzia de palavras. Ao
querer posicionar-se, acaba resvalando no que parece desconhecer e, mesmo
assim, pretende criticar a posição da Igreja Católica no tocante ao assunto em
questão. Esquece-se o articulista que a interlocução com a sociedade pressupõe
respeito com os protagonistas que tem contribuído para salvaguardar a afirmação
do valor da vida nesta nação, inclusive quando pessoas eram atentadas em sua
dignidade nos tempos da repressão explícita.
Caro Ferreira Gular, aquela
célula que você diz que é menor que uma cabeça de alfinete, sendo ela já
fecundada, mesmo sendo uma só, já contém 3,5 bilhões de informações, reunidas
em mais de 50 mil genes, nos 23 pares de cromossomos. O que será a vida no
resto de seus dias já está lá inscrito, bastando apenas desenvolver-se. A bela
aventura da vida, a sua e a minha ou nossa, já começou naquele primeiro
instante. O patrimônio genético não mudará mais. A esta evidência, muitos
estudiosos sérios se subscrevem, mesmo sem muito alarde. Só uma parte dos
cientistas afirma que a vida humana começa mais tarde ou em outros estágios
daquela vida já iniciada na fecundação do óvulo. Quando estamos ante o
espermatozóide ou o óvulo, sem a fecundação, não estamos diante de uma vida
humana. Isto é tão óbvio que usar essa argumentação é simplório demais, é
palavreado desnecessário, o que torna sim a discussão sem fim por pura inépcia
do discurso pretendido. Aliás, o que entra em questão não é simples célula, mas
o embrião, ainda que menor que cabeça de alfinete.
No caso do uso de embriões
sobrantes como banco de células-tronco embrionárias, existem algumas
ponderações do porque da posição da Igreja, aliás apontada em seu texto. A
Igreja é a favor da vida, não importa o estágio em que ela se encontre, não
importa a sua origem, classe ou povo a que pertença. A vida detém uma dignidade
que ninguém concede, que ninguém outorga, que ninguém confere; diante dessa
dignidade cabe uma atitude: reconhecê-la! A partir deste momento, começaremos a
cuidar dela, protegê-la, tutelá-la, sobretudo quando esta se encontra em
situações vulneráveis, como é o caso dos embriões humanos. Sendo esta vida
humana dotada de dignidade, ela não pode ser tratada como objeto, muito menos
como descartável. Por isso, a indústria da fecundação artificial erra quando
faz do ser humano um objeto vulnerável pelas sobras de embriões, vulnerável
pelo descarte e perda de muitos dentre eles. Ecoa forte um grito em favor da
vida. Escolhe, pois, a vida! Nós anunciamos o Evangelho da Vida. Não basta que
o fim seja bom: os meios também devem sê-lo.
Todos queremos que a ciência
avance e encontre meios cada vez mais apropriados para suavizar a dor, curar
doenças e melhorar a qualidade de vida das pessoas e das comunidades. Mas isso
não poderá ser feito à custa de vidas humanas que, não reconhecidas como tais,
poderiam ser usadas como objetos, em atentado sem escrúpulos, fazendo das
células-tronco embrionárias células “troco” de uma indústria que, mais uma vez
na história, atenta contra a vida, invadindo seu espaço sagrado. Queremos que a
ciência avance sim e, neste caso, se interesse em desenvolver a tecnologia
necessária para a utilização de células-tronco
adultas, facilmente encontráveis no corpo humano, cuja versatilidade para
originar várias linhas celulares já foi comprovada. Posicionar-se
contrariamente à utilização de células-tronco embrionárias é apenas uma questão
de defesa da vida. A Igreja Católica é a favor da utilização de células-tronco
adultas. Temos a esperança de que as pesquisas nesta vertente trarão bons
resultados, aliás já anunciados pela comunidade científica.
Ao abordar conceitos como “pecado
original”, “ato sexual”, “corpo”, “alma” e “dogma fundamental”, nosso colunista
se imiscui em terreno onde a ciência teológica tem um discurso perspicaz. Sem
desconfiar das boas intenções do articulista, teria sido melhor buscar
informações com quem melhor maneja tais assuntos, a fim de possibilitar a
compreensão de qual seja a melhor impostação em tais questões e qual sua
pertinência em relação ao que se pretende defender. Visões dualistas já foram
superadas; temos uma compreensão integral do ser humano, valorizado em todas as
suas dimensões e em todas as etapas de sua vida. Pretender aproximar a postura
clara da Igreja Católica em favor vida com a inquisição é render-se a um
discurso não respeitador da interlocução a que nos propomos, discurso que deve
ser de alto nível, sem pré-intenções, sem reducionismos comprometedores, sem
pré-juízos intencionais. Dizer que a Igreja afirma que um bebê ao morrer, sem
ser batizado, vai ao “fogo do inferno” é desconhecer não somente a Tradição da
Igreja mas também seu posicionamento atual, incluindo aí as afirmações a
respeito do pecado original. Instrumentalizar assim o discurso não é bom para o
nível requerido pelo debate quando o que está em jogo é a vida humana, sua
dignidade e seu valor.
No tocante à sexualidade humana,
reduzi-la ao uso ou não da camisinha é render-se a uma visão genital e
empobrecida da mesma. É aceitar que o ser humano não se distingue dos animais,
subjugado que seria aos instintos e pulsões. A sexualidade humana é uma das
maiores riquezas do humano e assim necessita ser encarada. Ela é um bem que
marca profundamente o ser humano no seu modo de ser e de se comunicar; ela o
atravessa por inteiro e em todas as dimensões (somática, psico-afetiva, social,
espiritual). Fragmentar a sexualidade, no resvalo de um reducionismo, é
render-se à banalização que afunda o ser humano num vazio existencial
comprometedor, fonte das muitas buscas de compensações e compulsões de nossos
dias. A sexualidade humana, quando orientada, elevada e vivida no amor, ela
encontra sua face humana e humanizadora, pois busca o bem das pessoas e da
comunidade, realiza as pessoas num processo de integração e maturidade que dura
a vida toda. Com certeza, é mais empenhativo integrar e amadurecer na vida. É
mais simples simplesmente deixar rolar, bastando usar a camisinha. Nivelar por
baixo não constrói o futuro da humanidade. É, sim, uma bomba-relógio, com hora
marcada para estourar. Não teremos uma sociedade equilibrada com uma
sexualidade desajustada. A hora é de refletir e de assumir cada um suas
responsabilidades e como sociedade construir juntos delimitações em favor da
vida. A vida humana urge!
Prof. Frei Nilo Agostini, ofm