Superar o desequilíbrio vital grave
de nosso moderno sistema de vida, no qual estamos deslizando e soçobrando,
torna-se hoje o imperativo de maior envergadura. Isto tem como contrapartida a
busca incessante de um equilíbrio da criação como um todo, no entrelaçamento de
seus diversos subsistemas ‘vitais’. Queremos, com isso, dizer um não ao poder,
à acumulação, ao interesse, à razão instrumental e instrumentalizadora, à
depredação, à capitalização sem fim. Queremos dizer sim à comunhão, à
gratuidade, à alteridade, à percepção do grande organismo cósmico, à referência
de tudo com a Última Realidade, Deus.
“Não podemos mais apoiar-nos no
poder como dominação e na voracidade irresponsável da natureza e das pessoas.
Não podemos mais pretender estar acima e sobre as coisas do universo, mas junto
e a favor delas. O desenvolvimento deve ser com a natureza e não contra a
natureza. O que deve ser mundializado atualmente é menos o capital, o mercado,
a ciência e a técnica. O que deve, fundamentalmente, ser mais mundializado é a
solidariedade para com todos os seres, a partir dos mais afetados, a
valorização ardente da vida, em todas as suas formas, a participação como
resposta ao chamado de cada ser humano e à dinâmica mesma do universo, a
veneração(1) para com a natureza da qual somos parte, e parte
responsável. A partir desta densidade de ser, podemos e devemos assimilar as
ciências e as técnicas como forma de garantirmos o ter, mantermos ou refazermos
os equilíbrios ecológicos e satisfazermos eqüitativamente nossas necessidades,
de modo suficiente e não esbanjador e perdulário”(2).
Para isso, não bastam ordens ou
proibições isoladas, somente para esta ou aquela situação concreta, pois não
resolve as questões de fundo que se interligam. Toda postura setorizada não
levanta as questões de fundo, não checa a raiz dos problemas, mesmo se
coadjuvada pelos resultados complexos da pesquisa técnico-científica. Isto
porque perde de vista a problemática ecológica global, selecionando não raro
fatores, favores, ganhos, revelando não raro conivências que se distanciam da
responsabilidade social(3).
A própria ética, diante da questão
ecológica, deverá ser capaz de formular “um conceito único, claro e
controlável, capaz de abranger as diferentes questões éticas particulares e de
abrir uma perspectiva global”(4). Estamos percebendo que o mundo é
muito mais do que o ambiente próprio do homem e vai além do próprio subsistema
dos seres vivos. Isto nos convida a alargar a visão da ética que, para ser
ecológica, deverá ser capaz de ir além do antropocentrismo exacerbado e além de
um biocentrismo de auto-conservação e sobrevivência, pois desconectam os
sistemas que compõe o todo da natureza. A ética levar-nos-á a integrar o
equilíbrio dinâmico, na teia das relações globais, numa perspectiva de
manutenção do todo, lastreada na co-responsabilidade.
Estamos, hoje, redescobrindo a
necessidade de lastrear o nosso viver com uma ética básica, capaz de interligar
as pessoas, os povos e a natureza com normas, valores, ideais e objetivos
válidos, capaz de organizar a responsabilidade coletiva nos diversos planos
possíveis da prática e do discurso. Faz-se necessário criar um mínimo de
consenso fundamental em vista da convivência ecológica de toda a criação. Isto
será crucial para uma natureza já ferida de morte.
Sendo que o distintivo do ser humano
é de só ele ser capaz de ter responsabilidade, isto “significa ao mesmo tempo
que ele tem que tê-la pelos seus
semelhantes”(5). Esta possibilidade é autocomprometedora. Devemos,
porque podemos. Porém, não basta apenas repetir apelos morais em favor da
justiça, da paz e da preservação da natureza, sem um conteúdo concreto, sem
operacionalizar o terreno da práxis coletiva. Faz-se necessário superar os
meros protestos e discursos que resvalam nos modismos que se somam e passam sem
deixar rastro. “Protestos ficam apenas glopes no ar, se não produzirem projetos
de atitudes e ações que inspirem e motivem as pessoas a melhorar a situação...”(6).
Retraduzindo o elan do Greenpeace,
diríamos que importa “pensar globalmente e agir localmente”.
A singularidade do ser humano, homem
e mulher, se revela no fato de só ele se constituir num ser ético. Só ele é capaz de res-ponder responsavelmente à pro-posta que lhe vem da criação. Por isso,
falamos hoje da imperiosa necessidade de redescobrir a ética e auscultar os
caminhos que ela vai nos apontar. Ela é mobilizadora do humano, do que há de
vital, englobando a natureza toda(7). Distingue-se pelo seu caráter
crítico e reflexivo na sistematização dos valores e das normas, tendo o papel
de investigá-los e depurá-los, em vista do equilíbrio de
toda a criação.
“O ser humano vive eticamente quando
renuncia estar sobre os outros para estar junto com os outros. Quando se faz
capaz de entender as exigências do equilíbrio ecológico, dos seres humanos com
a natureza e dos seres humanos com os outros seres humanos, e quando, em nome
do equilíbrio, impõe limites a seus próprios desejos. Ele não é apenas um ser
de desejos. Somente o desejo torna-o egoísta ou mimético. Ele é muito mais,
pois é também um ser de solidariedade e de comunhão. Quando assume a
função/vocação de administrador responsável, de anjo da guarda e de zelador da
criação, então ele vive a dimensão ética inscrita em seu ser”(8).
Notas:
1. O sentido de “veneração” não poderá resvalar na
direção de uma versão “panteísta” ou de um “naturalismo” ingênuo, mas apoiar-se
substancialmente numa atitude “reverente” diante da natureza, como a viveu
Francisco de Assis.
2. Cf. BOFF,
Leonardo. Ecologia, mundialização e
espiritualidade: A emergência de um novo paradigma. São Paulo: Editora Ática, 1993, p. 41.
3. Cf. AGOSTINI,
Nilo. Ecologia: desafio ético-teológico. Grande
Sinal, Petrópolis, v. 46, p. 265, maio/junho, 1992, p. 267s.
4. Cf. KROH,
Werner. Bases e perspectivas de uma ética ecológica: O problema da
responsabilidade pelo futuro como um desafio à teologia. Concilium, Petrópolis, n. 4, fasc. 236, p. 87, 1991.
5. Cf. ibid., p. 92s.
6. Afirmação de
LEERS Bernardino ao fazer a apreciação do livro Ética e Evangelização de AGOSTINI Nilo. Cf. Grande Sinal, Petrópolis, v. 47, p. 745, 1993.
7 Cf. AGOSTINI,
Nilo. Resgate da ética, redescoberta do vital humano. Revista Em Foco, Petrópolis, n. 1, p. 25, abril, 1995.
8. BOFF,
Leonardo. Op. cit., p. 36.
Fonte:
AGOSTINI,
Nilo. A crise ecológica: O ser humano em questão. Atualidade da proposta
franciscana. In: DA SILVA MOREIRA, Alberto (Org.). Herança Franciscana.
Petrópolis; Bragança Paulista: Vozes; USF, 1996, p. 236-238.
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