quarta-feira, 13 de maio de 2015

FÉ E CIÊNCIA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

Frei Nilo Agostini, ofm

Veja o texto completo em:
 www2.pucpr.br/reol/index.php/pistis?dd99=pdf&dd1=7680 

            À medida que a modernidade ganhou estatura através das quatro revoluções (cultural, científica, política e industrial), propagou-se a ideia de que a Igreja sempre se posicionara de forma contrária à ciência ou de que a Igreja nunca apoiara os avanços científicos. Alardearam-se casos tradicionais da história (Giordano Bruno, Galileu) para acirrar ou criar uma falsa guerra entre ciência e religião (cf. BRUNO; GALILEI, 1973). Hoje, o desafio é o de vencer o entrincheiramento da ciência e da religião, uma com o cientificismo e a outra com o fundamentalismo. Um diálogo, além das trincheiras, será benéfico para todos.

O Papa Bento XVI disse aos estudantes católicos ingleses por ocasião de sua visita a Inglaterra em setembro de 2010:

"O mundo necessita de bons cientistas, mas uma perspectiva científica torna-se perigosa se ignora a dimensão religiosa e ética da vida, da mesma maneira que a religião se converte em limitada se rejeita a legítima contribuição da ciência em nossa compreensão do mundo”[1]

            Difundiu-se muito a ideia de que o homem é o único padrão ou a única referência para si mesmo, elegendo a racionalidade científica como o único caminho para um mundo perfeito. Bastaria acionar a sua vontade “ilustrada” e ele dominaria a natureza, submeteria as forças hostis e construiria um mundo melhor. O progresso seria infinito num contexto social de mobilidade e mudanças contínuas. Sabemos, no entanto, que uma série crise deste modelo sacudiu o século XX e criou uma nova situação, chamada de “pós-modernidade”, um cenário de medo, incerteza e desconfiança ante as pretensões da razão humana inscrita na modernidade. Assim descreveu João Paulo II, na Fides et Ratio (1998, n. 91), este cenário pós-moderno:

“As correntes de pensamento que fazem referência à pós-modernidade merecem adequada atenção. Segundo algumas delas, de fato, o tempo das certezas teria irremediavelmente passado, o homem deveria finalmente aprender a viver num horizonte de ausência total de sentido, sob o signo do provisório e do efémero. Muitos autores, na sua crítica demolidora de toda a certeza e ignorando as devidas distinções, contestam inclusivamente as certezas da fé”.

            Mesmo em meio a este contexto, a postura da Igreja Católica diante das ciências é de apreço e entendimento. Vejamos o que nos diz o Concílio Vaticano II (GS n. 44, apud KLOPPENBURG, 1991, p. 192):

“A experiência dos séculos passados, o progresso das ciências, os tesouros escondidos nas várias formas da cultura humana, pelos quais a natureza do próprio homem se manifesta mais plenamente e se abrem novos caminhos para a verdade, são úteis também à Igreja”.

            O mesmo Concílio defende a justa autonomia das realidades terrestres, afastando qualquer temor neste campo. Dedica, para isso, uma atenção especial com as seguintes palavras:

“Se por autonomia das realidades terrestres entendemos que as coisas criadas e as mesmas sociedades gozam de leis e valores próprios, a serem conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem, é necessário absolutamente exigi-la. Isto não é só reivindicado pelos homens de nosso tempo, mas está também de acordo com a vontade do Criador. Pela própria condição da criação, todas as coisas são dotadas de fundamento próprio, verdade, bondade, leis e ordem específicas. O homem deve respeitar tudo isto, reconhecendo os métodos próprios de cada ciência e arte. Portanto, se a pesquisa metódica, em todas as ciências, proceder de maneira verdadeiramente científica e segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se do mesmo Deus. Mais ainda: Aquele que tenta perscrutar com humildade e perseverança os segredos das coisas, ainda que disto não tome consciência, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo que elas sejam o que são...” (CONCÍLIO VATICANO II. GS, n. 36, apud KLOPPENBURG, 1991, p. 179).

            Em 1936, Pio XI refundou a Pontifícia Academia das Ciências. Na ocasião, escreveu o Papa: “A ciência, quando é verdadeiro conhecimento do real, não contrasta nunca com as verdades da fé cristã” (PIO XI, 1936, p. 421). Paulo VI, mais tarde, sublinha a necessidade da dimensão moral para o progresso da ciência. João Paulo II, demonstrando grande interesse pelo papel da ciência no mundo moderno e pela relação entre fé e ciência, traça uma ponte que deve unir ao mesmo tempo ética e epistemologia, antropologia e metafísica, sempre a partir da própria experiência do homem e da sociedade (cf. STRUMIA , 2003). João Paulo II deixou bem claro o seguinte:

“A finalidade principal da ciência é a busca da verdade [...], uma busca que deve ser livre diante dos poderes políticos e econômicos; a verdade científica, portanto, é como qualquer outra verdade, devedora somente a si mesma e à suprema Verdade que é Deus criador do homem e de todas as coisas” (Apud RATZINGER/BENTO XVI, 2010, p. 23-24).

            O Papa Bento XVI propõe, por sua vez, uma renovada relação entre fé e ciência, uma relação de autonomia e distinção. Lembra, no entanto, que “distinção não significa separação ou estranhamento, significa que a distinção entre os campos do saber não é entendida como oposição” (RATZINGER/BENTO XVI, 2010, p. 50-51). Existem pontos de encontro entre ambas. Tanto uma como a outra colaboram para o conhecimento, quer por meio das capacidades racionais quer por meio do crer a uma fonte que na fé cristã é o Deus Revelador e Comunicador. Existe uma contribuição que uma confere à outra e vice-versa. Para isso, Bento XVI (2010, 54) cita o Papa João Paulo II: “A ciência pode purificar a religião do erro e da superstição, a religião pode purificar a ciência da idolatria e dos falsos absolutos”. Deve haver sempre um cuidado para não cair em reducionismos. “Todo reducionismo epistemológico acaba num reducionismo antropológico”, lembra Bento XVI (2010, p. 55).

            É indispensável travar um diálogo entre ciência e fé, entre ciência e religião além das trincheiras (cf. AGOSTINI, 2010, p. 146-147). “Quando seus dados são bem compreendidos, longe de se opor, elas se completam harmoniosamente” (POUPARD, 1982, p.11)[2]. Cabe assumir sempre o princípio de humanidade (cf. GUILLEBAUD, 2008), numa defesa da vida que, para os cristãos, está no centro da mensagem do próprio Evangelho.




[2] Veja também sobre este assunto: DOUCET, Louis. La foi affrontée aux découvertes scientifiques. Lyon: Chronique Sociale, 1987; VÁRIOS AUTORES. I cristiani nell’epoca tecnológica. Leumann (Torino): Elle Di Ci, 1986.

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