Amplia-se o debate sobre o aborto em nosso país. Muitas são as visões que se interpõem, díspares muitas vezes, inclusive quando está em jogo a visão teológica e católica. Nos meios de comunicação em geral, as posições aí aportadas nem sempre são um consenso. Por isso, é indispensável estimular o debate, aguçar a razão e esclarecer a consciência sobre problemas importantes de nossa sociedade.
Quando o assunto é o aborto, importa salientar alguns pontos básicos. Inicialmente, apontamos para o valor da dignidade da pessoa humana. Subjaz a esta o reconhecimento de uma realidade intrínseca, inerente ao próprio ser humano. Presente em cada pessoa, em sua essência mesma, esta dignidade é reconhecida como incomparável, inviolável e inalienável. A humanidade, depois de guerras, holocaustos, genocídios etc, assimilou este reconhecimento como um valor universal que não se pode simplesmente vender, transferir, abdicar ou anular. Trata-se de um respeito devido a cada pessoa.
A diversidade existente entre povos, culturas e mesmo civilizações não implica em diferentes valorações da dignidade das pessoas. O Cristianismo traz, como experiência própria, o testemunho de uma comunidade/povo que se constitui sem fronteiras de raça, povo ou nação. Todos são iguais e reconhecidos em igual nível e valor, porque dotados da mesma dignidade. Cada ser humano, indistintamente, traz estampado em si mesmo este valor em todo o percurso da vida, valor que o marca em todas as suas dimensões, quer corporal/somática, quer psico/afetiva, quer familiar/comunitário/social, quer espiritual/transcendente. Assume-se o ser humano integralmente, incluído todo o percurso de sua vida, o que afasta qualquer resvalo reducionista.
Desde o primeiro instante de sua existência, que se inaugura com o aparecimento de um genoma humano distinto dos pais, o ser humano tem direito à vida; ele traz estampada em si, desde aquele primeiro instante, a dignidade humana. Estamos ante o momento da concepção, a partir do qual o ser humano, no estágio de zigoto, não é mais uma “coisa”, um “meio”; a partir de então, o conceptus humano tem direito à vida, tornando-se sujeito de direitos. E o primeiro dentre estes é o de poder prosseguir o seu caminho de vida, sendo respeitada a sua dignidade. Não estamos diante de algo abstrato, nem mesmo relativo, passível a apreciações subjetivas ou utilitaristas ou ainda a flexibilizações retóricas diversas.
Também neste caso, a consciência, que se queira certa, busca fundar-se e formar-se de maneira reta e verídica. Isto significa que ela busca ter clareza e certeza dos valores que busca, fundando-se no bem e na verdade. Este empenho permite a emergência de um juízo moral esclarecido, não resvalando em juízos errôneos. É neste contexto que o Catecismo da Igreja Católica afirma que “o ser humano deve sempre obedecer ao juízo certo da sua consciência” (n° 1790). Descuidando-se da procura da verdade e do bem, a consciência pode deslizar em julgamentos errôneos, padecer de ignorância, permanecer obcecada por visões relativas, ficar comprometida com o hábito do pecado.
Ante o aborto, afirmamos que “o respeito à vida aparece como um dos princípios mais fundamentais e evidentes”, como bem sublinha o teólogo espanhol E.L. Azpitarte. A Santa Sé, na Carta dos Diretos da Família, de 1983, é contundente ao dizer que “a vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o momento da concepção” (n° 4). A noção de base é o respeito da vida humana, integralmente, do início ao fim. Não podemos sujeitar o respeito de sua dignidade a elementos ou circunstâncias que lhe sejam externos, como se ela fosse algo marginal, relativo, suscetível a mutações segundo interesses, visões e/ou utilizações várias. Grandes desastres na humanidade, como genocídios, holocaustos, abortos e mesmo guerras, começaram por cultivar visões estreitas, reducionistas, utilitaristas, resvalando em maniqueísmos demonizadores do diferente, este rapidamente apontado como adversário malévolo, em seguida suscetível à eliminação.
Importa, hoje, assumir uma posição clara em favor da vida de todos os seres humanos. Desde o primeiro instante da gravidez, quando o óvulo é fecundado, há uma nova vida que precisa de proteção, de acolhida e de amor. Isto implica, conseqüentemente, numa proteção e expansão da vida humana em todas as suas dimensões, na globalidade e unidade de seus componentes, aspectos, dimensões, valores, exigências. Esta antropologia integral é o fundamento, a medida, o critério, a força para a solução que é proposta acerca dos mais diversos problemas. Estes referenciais formam um grande consenso na comunidade teológica, com raras exceções. Teólogos, da magnitude do italiano Dionigi Tettamanzi, os têm apresentado com especial clareza e contundente atualidade.
Frei Nilo Agostini, ofm
Professor na USF (Universidade São Francisco), com sede em Bragança Paulista, professor e coordenador de graduação na FAJOPA (Faculdade João Paulo II), de Marília SP.
Texto já publicado no Jornal “O Globo”
Quando o assunto é o aborto, importa salientar alguns pontos básicos. Inicialmente, apontamos para o valor da dignidade da pessoa humana. Subjaz a esta o reconhecimento de uma realidade intrínseca, inerente ao próprio ser humano. Presente em cada pessoa, em sua essência mesma, esta dignidade é reconhecida como incomparável, inviolável e inalienável. A humanidade, depois de guerras, holocaustos, genocídios etc, assimilou este reconhecimento como um valor universal que não se pode simplesmente vender, transferir, abdicar ou anular. Trata-se de um respeito devido a cada pessoa.
A diversidade existente entre povos, culturas e mesmo civilizações não implica em diferentes valorações da dignidade das pessoas. O Cristianismo traz, como experiência própria, o testemunho de uma comunidade/povo que se constitui sem fronteiras de raça, povo ou nação. Todos são iguais e reconhecidos em igual nível e valor, porque dotados da mesma dignidade. Cada ser humano, indistintamente, traz estampado em si mesmo este valor em todo o percurso da vida, valor que o marca em todas as suas dimensões, quer corporal/somática, quer psico/afetiva, quer familiar/comunitário/social, quer espiritual/transcendente. Assume-se o ser humano integralmente, incluído todo o percurso de sua vida, o que afasta qualquer resvalo reducionista.
Desde o primeiro instante de sua existência, que se inaugura com o aparecimento de um genoma humano distinto dos pais, o ser humano tem direito à vida; ele traz estampada em si, desde aquele primeiro instante, a dignidade humana. Estamos ante o momento da concepção, a partir do qual o ser humano, no estágio de zigoto, não é mais uma “coisa”, um “meio”; a partir de então, o conceptus humano tem direito à vida, tornando-se sujeito de direitos. E o primeiro dentre estes é o de poder prosseguir o seu caminho de vida, sendo respeitada a sua dignidade. Não estamos diante de algo abstrato, nem mesmo relativo, passível a apreciações subjetivas ou utilitaristas ou ainda a flexibilizações retóricas diversas.
Também neste caso, a consciência, que se queira certa, busca fundar-se e formar-se de maneira reta e verídica. Isto significa que ela busca ter clareza e certeza dos valores que busca, fundando-se no bem e na verdade. Este empenho permite a emergência de um juízo moral esclarecido, não resvalando em juízos errôneos. É neste contexto que o Catecismo da Igreja Católica afirma que “o ser humano deve sempre obedecer ao juízo certo da sua consciência” (n° 1790). Descuidando-se da procura da verdade e do bem, a consciência pode deslizar em julgamentos errôneos, padecer de ignorância, permanecer obcecada por visões relativas, ficar comprometida com o hábito do pecado.
Ante o aborto, afirmamos que “o respeito à vida aparece como um dos princípios mais fundamentais e evidentes”, como bem sublinha o teólogo espanhol E.L. Azpitarte. A Santa Sé, na Carta dos Diretos da Família, de 1983, é contundente ao dizer que “a vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o momento da concepção” (n° 4). A noção de base é o respeito da vida humana, integralmente, do início ao fim. Não podemos sujeitar o respeito de sua dignidade a elementos ou circunstâncias que lhe sejam externos, como se ela fosse algo marginal, relativo, suscetível a mutações segundo interesses, visões e/ou utilizações várias. Grandes desastres na humanidade, como genocídios, holocaustos, abortos e mesmo guerras, começaram por cultivar visões estreitas, reducionistas, utilitaristas, resvalando em maniqueísmos demonizadores do diferente, este rapidamente apontado como adversário malévolo, em seguida suscetível à eliminação.
Importa, hoje, assumir uma posição clara em favor da vida de todos os seres humanos. Desde o primeiro instante da gravidez, quando o óvulo é fecundado, há uma nova vida que precisa de proteção, de acolhida e de amor. Isto implica, conseqüentemente, numa proteção e expansão da vida humana em todas as suas dimensões, na globalidade e unidade de seus componentes, aspectos, dimensões, valores, exigências. Esta antropologia integral é o fundamento, a medida, o critério, a força para a solução que é proposta acerca dos mais diversos problemas. Estes referenciais formam um grande consenso na comunidade teológica, com raras exceções. Teólogos, da magnitude do italiano Dionigi Tettamanzi, os têm apresentado com especial clareza e contundente atualidade.
Frei Nilo Agostini, ofm
Professor na USF (Universidade São Francisco), com sede em Bragança Paulista, professor e coordenador de graduação na FAJOPA (Faculdade João Paulo II), de Marília SP.
Texto já publicado no Jornal “O Globo”
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